Wednesday, March 29, 2006

Desenfreado

Era o segundo dia que tomava lanche em seu escritório. Dois dias sem almoço nem janta em casa. Chegava muito tarde da noite, entre 22h ou 22h30, e degustar alguma janta estaria fora de questão. No máximo um aperitivo, metade de um pão, que nunca seria considerado uma janta de verdade.

Olhou o relógio e encontrou os ponteiros em 1 hora e 11 minutos. Teria uma reunião em menos de meia hora. Voltou a comer os últimos pedaços de sanduiche e deu o gole final em sua Coca Cola de latinha, que por sinal, ele odiava. "A lata a deixa com um gosto ruim!".

Terminado seu almoço, se reclinou na cadeira para descansar alguns minutos. Queria que o tempo parasse e pudesse dormir algumas horas. Na noite anterior tivera insônia e já tinha acordado atrasado por isso. Após cinco minutos abriu os olhos, aproximou-se da mesa e, com a caneta na mão, anotou na folha em sua frente: "Tempo, tempo, mano velho". Foi para a reunião.

Saiu com o carro em cima da hora, esquecera seus óculos de sol, foi presenteado com uma dor de cabeça que prosseguiria até o final da noite. Às 18 horas, sentiu fome, foi na lanchonete ao lado do trabalho, comeu uma esfiha de frango, saborosa, mas que o aborreceu por ser sua janta. Tomou de novo uma latinha de Coca, reclamou novamente: "Porque não vendem as garrafinhas aqui?"

Voltou ao trabalho meia hora depois. Sentou em seu computador, conferiu dados, massageou a cabeça esperando uma melhora, se distraiu por alguns minutos e prosseguiu.

Às 21h30 terminou seu trabalho, estava quase sozinho por lá. Deu adeus aos colegas, um "até amanhã" para o segurança e rumou para sua casa.

Deitado em sua cama duas horas depois, lembrou-se de suas resoluções de ano novo. Uma delas era não ser mais escravo do tempo. Agradeceu que o ano finalmente estava no final, talvez seria por isso que agora teria de correr contra o tempo.
Acordou no horário no dia seguinte. Antes de sair de casa avisou a esposa, dessa vez, depois de dois dias, almoçaria em casa, impreterivelmente.

Saiu de sua casa sonhando com o sabor das batatas e do bife que estaria deliciosamente pronto para o almoço.


Thiago Augusto
(16-11-05)

Tuesday, March 28, 2006

Notinhas

Opa, tudo bem?

Nosso blog não é pop ainda, mas vale a pena divulgar algumas cositas que andam acontecendo por aí. Ei-las:

- O Simplicíssimo nessa nova edição (que entra no ar daqui a pouquinho) inicia uma série de editoriais e artigos com o seguinte tema: Propostas para um Brasil melhor. No momento estou apenas divulgando, mas é possível que venha utilizar meu espaço lá pra propor alguma coisa, como jogar uma bomba no planalto central, por exemplo. E quem quiser colaborar com textos e propostas é só falar comigo ou visitar o site e enviar seu texto. Lembrando que o site tem atualização semanal. Lá vai o link: www.simplicissimo.com.br

- O pessoal da editora CosacNaify publicou no site deles a resenha que fiz do "Livro dos homens" de Ronaldo Correia de Brito e a entrevista que ele me concedeu. Legal, não? E colocaram um link pra cá. O da "matéria" é esse: http://www.cosacnaify.com.br/noticias/ronaldo_correia.asp

- Nós seguimos firmes no Jornal Monte Belo, de Monte Belo, Minas Gerais, que dia 25 de março teve sua primeira edição impressa e será semanal. A nossa coluna é enviada sempre às quintas, e publicada no mesmo dia. Geralmente são textos que não serão publicados aqui no blog. Portanto, fiquem de olho. Essa quinta tem outra. Será a nossa terceira. O link: www.jornalmontebelo.com.br

- O blog coletivo Pessoas do Século Passado, comandado pelo meu querido amigo Dodô Azevedo - que não conheço pessoalmente, infelizmente - foi atualizado ontem e merece sim ser lido e relido, pois os textos estão excelentes. Meu caríssimo conterrâneo Ivã Coelho é um dos destaques da edição. Eu não entrei nessa edição porque acabei esquecendo de enviar um texto pra lá :( Coisas da correria. Mas já fui no site, li, e gostei muito. Passem por lá: -> www.pessoasdoseculopassado.com.br

Bom, é isso. Aproveitem os links aí :)


Abraços,
Rafael Rodrigues

Monday, March 27, 2006

Considerações a respeito do Big Brother Brasil

Muita gente fala do BBB (Big Brother Brasil), reality show que faz parte da programação diária da rede Globo. No momento está no ar a sexta edição do programa, que começou em janeiro deste ano.

Bem ou mal, quase todo brasileiro comenta sobre o BBB. Não estou aqui para discorrer sobre os que elogiam, e sim sobre os que criticam.

Existem pelo menos três tipos de pessoas que maldizem o Big Brother: os que não assistem e ainda assim comentam, os que assistem apenas para falar mal, e os que assistem, dizem que não, mas acabam se entregando quando contam detalhes de algum fato ocorrido na casa onde os participantes ficam confinados por até 90 dias.

Não vale a pena abordar aqui o primeiro caso, o dos que não assistem. Falar mal de algo sem sequer conhecer é, no mínimo, uma ignorância. Não posso dizer que não gosto de jiló, só porque nunca comi. Posso dizer que não sei o gosto e, pelo que já ouvi dizer, é melhor não experimentar.

O terceiro tipo de algoz do BBB é o mais engraçado de todos. Citarei o exemplo de uma ex-professora minha. Ela afirmava não gostar do programa, que a atração nada tem a acrescentar à população, essas coisas. E acabava se entregando quando uma de minhas colegas fazia um comentário sobre um participante. Ela interrompia a aula para dar seu parecer sobre a trajetória do “brother” citado. O mesmo com novelas. Dizia ela que não assistia, mas bastava uma colega falar algo, e pronto. Era uma vez uma aula de literatura.
Mas o que mais me intriga mesmo é o segundo tipo.

Quem assiste só para falar mal quase sempre é aquele o “do contra” da turma. Toda turma de amigos, ou grupo social – como queira –, tem um “do contra”. Se todos vão pra direita, ele vai pra esquerda. Se percebem que ele está certo e desviam para a esquerda, só para contrariar, ele acaba indo para a direita. Melhor seria – pensamento dele – se continuasse no seu canto, mesmo que errado e sozinho.

(Sei como um “do contra” pensa, pois me consideram um, não sei porquê motivo, eu não sou “do contra”).

Voltando ao assunto.

O segundo tipo assiste o BBB apenas para falar mal de quem quer que seja. Ele fala mal dos participantes, fala mal da rede Globo, do Pedro Bial, da garota que aparece nos intervalos e, principalmente, fala mal de quem assiste ao programa.

Ele tem o prazer de dissecar o Big Brother, pois, no dia seguinte, precisa ter o que comentar com seus amigos. Ao invés de procurar coisa melhor para fazer, pois, para esse tipo de telespectador, assistir ao BBB é uma espécie de tortura. Devem ser sadomasô.

O engraçado é que poucos são aqueles que reconhecem o verdadeiro valor do programa. Será que ninguém ainda se atentou para o fato de a atração ser um belo painel da condição humana? Psicólogos deveriam assistir ao Big Brother. Com certeza alguém já deve ter feito uma tese de mestrado ou doutorado abordando algum aspecto do programa (mais especificamente, o comportamento dos participantes e também – e por que não? – a influência dele na sociedade.). Se ainda não, vai aí uma sugestão para os psicólogos de plantão (rimou!).
Ou será que o fato de o cowboy de uma das edições do programa ter entrado em uma espécie de depressão passou em branco? Os cowboys são símbolos da virilidade masculina. É o macho rústico, dono de si, o domador de feras. Justo ele, ficou deprimido. Isso não teria mudado o pensamento de alguns homens brasileiros? É apenas um dos tantos exemplos que poderia citar.

Digo isso porque recebi um e-mail de alguém indignado com o fato de x milhões de brasileiros terem feito ligações para eliminar um participante do programa. Ora, de quem é a linha telefônica? O dono faz com ela o que quiser. Gasta como bem entender. A rede Globo não é empresa de caridade, e está lucrando com seu programa. Não está aplicando golpes em ninguém, pelo que sei.

Fico indignado por alguém ficar indignado com a forma com que outro alguém usa seu telefone ou deixa de usar. Cada um que cuide do seu, e fim de papo.


Rafael Rodrigues

Friday, March 24, 2006

Influência do carnaval sobre a sociedade

Esse foi um trabalho que foi pedido pela professora de Estágio Básico Observado em Psicologia Social que supostamente seria científico... infelizmente não há pesquisa, levantamento amostral, normal, nada rs, mas vale à pena ser lido.



O carnaval, como conhecemos, conta com duas possíveis origens. A primeira trata de uma história nada parecida com o carnaval que vemos nos dias de hoje, não relacionado com a diversão e as malícias dessa época. Segundo essa versão, a palavra “Carnaval” seria oriunda do latim carnevale (carne + vale = carne + adeus), uma referência à Terça-feira Gorda” , o último dia do calendário cristão no qual se pode comer carne, que antecede a Quaresma, ou seja, um acontecimento tipicamente religioso, longe da nossa realidade. Já a segunda atribui a origem ao Carrus Navalis, que era uma festa que acontecia na Roma Antiga onde um carro distribuía vinho nas ruas em homenagem a Dionísio.

Essas celebrações são muito antigas, chegam a ser mais que a própria religião cristã, com diferentes maneiras de representação, desde as festas dionísicas na Grécia Antiga, bacanais em Roma, bailes de máscara do Renascimento até os carnavais com escola de samba no Rio de Janeiro.

Dentre as importâncias econômicas, tradicionais e histórias, fica a determinante para a Psicologia Social, o impacto que a festa e seus simbolismos tem para com a sociedade e o entendimento do porquê de certos comportamentos típicos dessa época.

O nosso mundo moderno é bem adornado de fantasias e máscaras que escondem os desejos e comportamentos mais heterodoxos, os quais são “liberados”, freqüentemente, no carnaval. As danças, cultos sagrados, rituais, enfim, as tradições sapienciais e manifestações culturais, sempre representaram o mundo interno do ser humano, estão no campo do simbólico.

Os símbolos têm sua fonte e raiz no conceito criado por Jung (lê-se Iung), o Arquétipo. Estes mudam muito pouco com o passar dos tempos e evolução das culturas, mas não são estáticos, tampouco estagnados e estão radicados no nível do inconsciente humano. É comum a todos os seres humanos independente de cor, cultura ou credo e estes arquétipos são as “palavras” da linguagem simbólica.

O carnaval tem esse “poder” de escancarar todo tipo de fantasia antes reprimido das pessoas sem o medo de passarem pelo crivo da censura oficial, religiosa ou social. Através das fantasias mais elaboras às mais simples, pode-se retirar as máscaras sociais coladas em cada mente, permitindo a liberação das fantasias.

Estamos vivendo no século da ansiedade, logo usamos o escudo da fantasia. Segundo a psicoterapeuta Mônica Levi, “vivemos em um mundo onde a fantasia é incrementada e reforçada, muitas vezes, pelos nossos pais, pela televisão, novelas, cinemas, propaganda etc. (...) Fantasia é um dos mecanismos de defesa do ego e, portanto, aparece com freqüência nos estados de frustração. Para reduzir a frustração eu crio uma imaginação ou crio um bloqueio de evitação sobre algo que possa me deixar frustrado. Muitas pessoas aparentam ser frias, mas, na realidade, estão evitando as emoções causadas por possíveis frustrações.”

Esse mecanismo de defesa permite, que é um processo mental inconsciente, possibilita a redução do estresse e ansiedade que estamos dispostos no dia-a-dia. O que é saudável, assim como as fantasias que são criadas para preencher algumas lacunas emocionais ou irrigar desejos como um atrativo para se concretizar um objetivo, sonho.

Estamos sempre sendo vistos e julgados segundo os valores dos grupos sociais dos quais fazemos parte e, por isso, vivemos segundo suas expectativas. Na Idade Média, nas festas à fantasia, os nobres fantasiavam-se de maneira a estarem irreconhecíveis e, assim, libertarem suas fantasias. No nosso cotidiano vestimos as máscaras de nossa imagem ao tirarmos as de carnavais e deparamo-nos com os “mascarados” da política, igrejas e grupos sociais. A pressão coletiva nos atinge fortemente, alguns adoecem no corpo ou mente, aí, a saída para muitos torna-se afrouxar as amarras do ego, deixando que o consciente seja estimulado por uma química-energia, deixando-o mais frouxo, entorpecido, sem a censura do superego, segundo Freud. São, então, vítimas de uma espécie de catarse que os possibilita, após essa “terapia”, suportar mais um ano com expectativa de poder passar pelo mesmo processo novamente.

BIBLIOGRAFIA

BUENO, Marcos. Psicologia Brasil. Psicologia, Rio de Janeiro, Fevereiro, P. 28-31, 2004.



Eduardo Leite

Wednesday, March 22, 2006

Musica & Literatura

Você não precisa concordar comigo, mas para mim, literatura e música andam juntas, independente do tipo que você leia ou ouça.

Quando estás lendo uma revista, você faz isso em silêncio ou ao som de alguma banda ou rádio? Particularmente, eu sempre leio ouvindo algo. Que valha a pena ouvir, é bom se dizer.

A leitura pode sair prejudicada nessa história, pois às vezes preciso parar de ler para acompanhar – cantando ou tocando air guitar, air bateria ou air baixo – a música que sai das caixas de som do meu aparelho.

Por me atrever a escrever, acabo tendo contato pessoal com alguns escritores e lendo entrevistas daqueles que não posso conversar ou me corresponder. Uma de minhas perguntas favoritas é a seguinte: “Como é seu trabalho de criação? Você se tranca num quarto e escreve? Ouve algo ou escreve em silêncio?”. Mais de uma pergunta, portanto. Mas esta última é a que mais me deixa curioso.

Que eu me lembre, a maioria dos escritores escreve ao som de música clássica. Fernando Sabino, escritor mineiro falecido em 2004, mestre maior de nossa crônica e exímio romancista (autor de um dos maiores romances de nossa literatura, “O encontro marcado”, entre outros), dizia escrever ouvindo jazz. Sabido costumava ter uma bateria, para dar umas batucadas de vez em quando. (Para terror dos vizinhos).

Outro escritor ligado ao jazz é o gaúcho Luís Fernando Veríssimo, grandessíssimo cronista de nossa literatura. LF tem uma banda de jazz, inclusive. Eu que esqueci o nome dela agora. Se alguém quiser saber, é só me escrever que eu procuro.

Há também escritores que preferem escrever em silêncio. E então penso com meus botões: é justamente no silêncio que surgem as canções. Elas saem de algum lugar de nossa mente e, quando menos esperamos, estamos batucando ou cantarolando alguma.

Eu gosto de ler ou escrever ouvindo rock. Ou pop/rock, que seja. Mas nem sempre. Tem coisas que não devem ser lidas ouvindo música. Acaba atrapalhando e tal. Mas nesse caso, cada um sabe de si.

E você? Ouve algo quando lê?

Rafael Rodrigues

Tuesday, March 21, 2006

Last but not least


Espirais psicodélicas, cores verde-limão, verde lodo, marrom, escuridão total. As imagens foram das cores mais quentes e ofuscantes aos tons neutros, culminando na ausência de todas elas.

Assim correram seus pensamentos, embaralhados, perdidos, disformes. Não pensava o porquê, apenas pensava, ou fantasiava. Simplesmente não sabia o certo o que era, apenas estava.

Vácuo, vazio, nada, sussurros. Sussurros? É, de repente podia ouvir barulhos indistinguíveis, batidas, conversas muito distantes de si, talvez em outro dialeto ou como em um filme em câmera lenta, em câmera lenta assim como seu pensamento estava: sonolento, calmo, lento. Vazio novamente.

Sons outra vez. Podia distinguir os tons, eram seus pais e sua irmã. Não conseguia falar nem abrir os olhos. Deus! O que acontecera? Só restava esperar e continuar ouvindo o que falavam.

Aos poucos seus olhos abriram, e a festa foi total entre os que estavam em seu quarto... branco? Como fora parar em um quarto branco? Puta que o pariu! Estava em um hospital, o que aconteceu? Será que perdera algum membro? Se conseguisse sentir algum membro do corpo talvez descobrisse, pena que sentia-se ainda anestesiado. Anestesiado demais para falar, mas isso não importava no momento, e sim os abraços que recebia, pelo menos ele os via, apesar de não os sentir.

Quatro horas se passaram e sua mãe não falava nada que não fosse o quanto sofrera e o quanto sua namorada ligara para saber de deste. Queria desesperadamente perguntar o que houve consigo, mas ninguém tocara no assunto. Talvez devesse ir embora, sua mãe não se importava com outra pessoa que não fosse ela mesma, por isso falava pelos cotovelos, para chamar atenção. Opa! Havia feito isso antes... antes de parar nessa cama. O que acontecera errado em sua fuga? Precisava desesperadamente saber.

O médico entrou em seu quarto e dirigiu-se para onde estava deitado. Pediu que piscasse duas vezes os olhos se entendesse e/ou concordasse com o que ele estava falando e uma vez para a negação. Contou algo sobre o estilhaçamento da lombar e à extração de ossos cranianos esmagados pela batida, isso não fazia muito sentido, mas o fato de não sentir do pescoço para baixo fez todo o sentido. Neste momento empalideceu, perplexo com o que ouvira não conseguia mais piscar os olhos inundados com lágrimas. Era um sonho ruim e queria acordar. Fechou seus olhos e resolveu não os abrir mais.

Sua namorada não o visitara, queria lembrar-se dele quando ainda andava e fazia todas as coisas que a alegravam. Também não o veria mais no primeiro ano do ensino médio de sua escola, ele não tinha motivação para mais nada que não fosse passar as manhãs e tardes olhando para o quintal de sua casa pela varanda, onde ficava a ler seus livros e sonhar com suas histórias que seriam publicadas em um livro. Não pensava mais em como estava, mas no que era e definhou rapidamente, mesmo com a visita de seus amigos e parentes, com os choros e incentivos à melhora.

Haviam pego o responsável por atropelar-lhe, quando este saia da casa de sua namorada em direção à estação de ônibus. Ele fora preso e pagaria pensão pro resto da vida da vítima, mas a vida da vítima não parecia ser muito tempo. Dinheiro já não significava nada. Nada mais esperava senão a morte. Esta não o abandonou, não teve pena de sua situação, tampouco teve pudor em olhar-lhe face-a-face antes de tomar-lhe em seus braços já que este estava por demais cansado para caminhar.


Eduardo Leite

De(s)afeto

Nós vamos fingir que nos amamos
Até encontrarmos outros planos
Que nos façam rumar para outras vias
Que nos tragam mais alegrias do que essa
[Insatisfação
Então, veremos as sobras do passado
Percebemos que vivemos tudo errado
E nada servirá de cura
A desenfreada vida, viva de amargura.

Thiago Augusto
(17-11-05)

Saturday, March 18, 2006

Bendita memória

Minha bendita memória ultimamente tem me pregado boas peças.
É impressionante a facilidade com a qual tenho esquecido tanto fatos ou dados de um passado já distante quanto acontecimentos de semanas, dias e até momentos atrás.
Mas o que incomoda mesmo é esquecer nomes de conhecidos. É terrível! Encontro a pessoa, ela me chama pelo nome, e eu tenho que tratá-la por expressões neutras como “meu velho”, “menina”, “meu caro”, e variantes.
Um dia desses estava numa agência bancária quando vi na fila um ex-colega de colégio. Tentei disfarçar, fingir que não vi, mas não tive saída. Tive de falar com ele. Cumprimentar, ao menos.
- E aí, rapaz, beleza?
- Tudo tranqüilo Rafa, e você?
- Tudo tranqüilo também.
Pensei que a conversa acabaria ali. Mas ele veio de lá:
- E aí, que anda fazendo?
Eu sabia – e continuo sabendo – quem ele é, de onde o conheço e que é irmão de uma amiga minha. Até jogávamos futebol juntos, mas não consegui lembrar seu bendito nome. Me virei como pude e fui embora. Minutos depois, já a caminho de casa, lembrei:
- Diego!
Na semana anterior aconteceu algo semelhante. Também numa agência bancária, encontrei uma ex-colega de trabalho:
- Oi Rafa, tudo bem?
Na base do “menina”, “mulher” e até “rapaz”, fui dando um jeito. Mas achei uma grandessíssima falta de consideração de minha parte não chamá-la pelo nome.
Aproveitei os minutos que ela passou no caixa para tentar encontrar alguma pista no celular (o número dela – acompanhado do nome, claro – ou alguma mensagem que ela tivesse me enviado), mas nada.
Quando íamos saindo da agência, eu já desistindo de lembrar o nome dela, o atendente grita – por engano – o nome:
- Senhora Evaneide!
Dessa vez, não esqueço mais! (assim espero...)

Friday, March 17, 2006

Aventuras em CG - Parte Final


Meu amigo realmente é de roubadas e para todo lugar que íamos, precisávamos de carona (rs) que seus amigos, quase sempre, se dispunham a dar. Realmente ele conhece muitas pessoas legais naquela cidade, tanto que consegui comer e “quase não ficar de cara” graças a almas caridosas que me ofereceram comida de graça. Além de umas corridas de táxi que não paguei, senão ficaria por lá mesmo.

Chegando na rave, todos os problemas desapareceram de minha mente e o psy hipnotizou-me completamente. Das 1 às 8:30 da manhã eu consegui pular, dançar e andar pela granja – completamente ornamentada com desenhos que proporcionavam viagens legais para usuários de lsd – até que bateu-me o cansaço devastador. Enquanto para a maioria dos presentes a festa havia começado naquele momento, mesmo estando lá desde a mesma hora que eu, para mim não havia salvação, meus pés me matavam. Eu poderia voltar para casa naquele momento, já haveria ônibus, se não fosse por minha mochila estar na casa de um outro amigo que nem idéia eu fazia de onde morava.

Fiquei soltando maldições e pragas a todos os meus conhecidos que sabiam onde o dito cujo morava, desejei pés furados por cacos de vidro, hemorragias, over doses, mas não pensei no mais simples, cansaço... o que aconteceu rapidamente com meu amigo que parecia não ter tomado a mesma “vitamina” que os demais, mas faltava uma carona para ele e para mim. O que fazer agora?
Esperamos algum tempo até que finalmente apareceu um colega que nos deixaria em sua casa, mas eu queria pegar minha mochila e ir para casa, tinha prova na semana posterior e precisava estudar. Cavando um pouco com muito drama, descobri que ele morava perto do portador de minha mochila e assentiu com muita boa vontade em ir comigo buscar minha mochila e deixar-me na rodoviária, parecia um sonho.

Ele não sabia onde era a casa, então perdemos em torno de 20 min batendo de casa em casa para descobrir onde o maldito se escondia. Achamos, depois desse tempo, consegui provar que a mochila, de fato, pertencia a mim e corremos para a rodoviária.

Consegui pegar o ônibus das 9:30. Esperei sentado comendo um biscoito e água pra recarregar as energias perdidas. Quando se aproximou a hora da partida, encaminhei-me para a plataforma e vi o ônibus da Real Bus parado, vidros com película, design arrojado, ar-condicionado, poltronas de avião(exagero) e então eu me projetei dentro dele dormindo o sono merecido até chegar em casa. Ao me arrastar para perto do ônibus vejo uma lata velha, também da Real Bus entrar no estacionamento dos ônibus, aparentemente tinha ar-condicionado também, mas nem se aproximava da qualidade do que iria me levar para casa.

Para completa surpresa do leitor, é claro, eu voltei na lata velha, cochilando e acordando a cada 15 min por algum solavanco, parada ou grito de criança correndo dentro do ônibus. Eu realmente descobri porque existe passagem de estudante... mas valeu a aventura, agora é só esperar pela próxima... ou não!


Eduardo Leite

Wednesday, March 15, 2006

Aventuras em CG - Parte I


Minha saga esse fim-de-semana merece registro.

Tudo começou quando minha amiga, que me abrigaria em sua casa para irmos à rave posteriormente, disse estar muito doente, o que a havia feito usar o dinheiro do ingresso em remédios, o que me fez recorrer a um amigo que eu prometia fazia tempos que visita-lo-ia.

Chegando na rodoviária, uma dupla de senhoras abordou-me em um gol azul, perguntando se iria para campina. Eu respondi que sim, elas cochicharam algo e colocaram o carro para a frente e eu fui checar se havia passagem, fui informado que o ônibus mais próximo sairia às 1 da tarde – eram 12:50 –, mas que só haveria passagem para estudante às 3 h. As senhoras se reaproximaram e falaram que aceitavam que eu fosse pagando preço de estudante e lá fomos viajar 125 km rumo à diversão.

Ia fazendo meus cálculos no carro, pelo que eu ainda lembro de física... velocidade é igual a delta s sobre delta t, digamos que estamos a 100 km/h, a distância é de 125 km, então em mais ou menos uma hora e meia estaremos lá. Por que será que nós chegamos só com 2 horas e meia? Eu sofria e sofria quanto mais o tempo passava, como aquela moça dirigia devagar e a tia dela, do lado, me achando um bom rapaz – não imagino como – insistia em me apresentar sua filha que, segundo jurava de pé junto, participava de sorteios na TV, ou seja, bonita.

Aproximando-nos de Campina Grande(finalmente), ela me fez uma proposta indecente. Mais R$ 5 e ela me deixaria na casa de meu amigo. Aceitei de imediato e ela realmente me deixou na porta. Desci e agradeci a Brahma porque finalmente podia deixar a máscara de politicamente correto e acender um bom cigarro pra relaxar o stress, foi o que fiz assim que subi.


continua...


Eduardo Leite

Tuesday, March 14, 2006

PSDB anuncia candidato à Presidência

O PSDB anunciou agora à tarde o seu candidato à presidência da República: Geraldo Alckmin, atual governador de São Paulo.

Eu tenho uma espécie de superstição ou "paranóia" com candidatos. Para mim, um candidato precisa ter a postura do cargo. A altivez, pra usar uma palavra mais ou menos difícil, se é que a utilizei de forma correta. Ele precisa ter a "cara" do cargo que almeja.

Sinceramente, Alckmin não tem cara de presidente da República. O óculos dele vive torto, a boca dele é meio torta também, o cabelo tem gel demais, e os ternos não caem bem nele.

José Serra também não. Sempre que fala parece estar falando com uma criança de 6 anos de idade. Além de ter aquelas olheiras que só Deus sabe onde ele arrumou.

Tasso Gereissati seria um ótimo nome para o PSDB. Ou o próprio FHC. Mas o que importa é que, com Alckmin, o PSDB não ganha a presidência nem a pau. Aliás, pode até ganhar, se eles tiverem um coringa. Coringa no sentido de estarem sabendo de alguma coisa muito, mas muito mais podre sobre o governo Lula, pior ainda que o mensalão.

Vamos ver onde isso vai dar.



Rafael Rodrigues

Sunday, March 12, 2006

Bendito

Benditas coisas que eu não sei
Os lugares onde não fui
Os gostos que não provei
Meus verdes ainda não maduros
Os espaços que ainda procuro
Os amores que eu nunca encontrei
Benditas coisas que não sejam benditas

Mart´nalia e Zelia Duncan, Benditas
in Pré Pós Tudo Bossa Band, Zélia Duncan


- Você, meu filho, quando crescer será um garoto maravilhoso. Super educado, gentil, que não vai trazer problema algum para seus amigos. Que por sinal você terá muitos. Isso. Pronto. - E finalizava a arrumação perfeita de seu cabelo repartido milimetricamente ao meio.
O filho em cima de um banquinho fitando-se no espelho não percebera que naquela hora quem se refletia era quase a mãe e não o próprio. Anos depois descobrira que embora fosse ligeramente pragmático, seu cabelo deveria secar naturalmente, apenas com algumas pinçadelas de uma arrumação manual só para não ficar para cima e assim não parecer estupidamente rebelde.
No album antigo de fotografias, o garoto olhava as roupas escolhida por anos pela mãe. Artefatos que nunca mais pensaria em usar e que ainda traziam um questionamento, como fora usar figurinos tão excentricos?
Podia reconhecer suas feições naquelas fotos pueris, mas aonde estava seu ponto de partida que deu inicio a sua inconstância? Transformada por todas as coisas que depois seriam definidas como "pluraridade existêncial".
Existia um vácuo entre o garoto gordo e baixinho de sua infância, para o garoto, jovem, homem sentado em sua cadeira preferida lendo um Bukowski. Uma linha interminável que separava cada pensamento do que ele seria para aquilo que agora era de verdade.
Engana-se quem acha que com o tempo esse garoto cedeu para a vida. Não, não. Com o passar das histórias, mesmo quase caindo em desvios, ele pode se manter. Achar um quase equilibrio que o desorientou deveras. E o homem sentado com o livro aberto na altura de seus olhos era agora acompanhado de seu eu menino. Que o seguiria por toda sua vida.

O velho relógio já tinha o transformado muito. Seu único desejo era se tornar mais distraido, deixar de lado seus próprios traumas e asfixias. Matar de uma ver por toda sua ansiedade, ora de vida, ora de amor. Mas dessa vez era diferente. Aquele livro não era para o distrair somente como fuga. Mas sim para descobrir novos conhecimentos para sua interminavel vontade de ir além. Estava tranquilo de certa forma, quase contente.

Fechou o livro e o deixou sobre a cadeira, foi até a janela, aqueceu a mão aos bolsos, sabendo que assim pareceria mais uma cena de qualquer filme. Pensou no mundo que havia lá fora. Se poderia ser tão bonito quanto o que havia dentro de si.
Teimoso como sempre, embora descrente de quase toda humanidade. Ainda imaginava que haveria qualquer sonho bom para habitar nossa terra. Havia horas que nem mais acreditava nisso. Mas esses momentos passavam logo e ele se apaixonava novamente pelo pôr do sol.

Triste era saber que muitos não lhe davam ouvidos. E os poucos que o ouviam saiam energéticos pelas palavras desse rapaz. Ele pensava de verdade que possuia algo em si mesmo que trazia a incrivel discrepância da diferença. Era assim que gostava de viver.

Ruim era perceber que toda noite, só ele saia lá fora, no topo de sua colina. Encostava-se numa arvore, novamente sentia-se como uma cena ambulante de cinema, e pensava. Incríveis abstrações e sonhos. Sem saber que, talvez, suas idéias tão malucas seriam seu próprio erro. Não sabia que era necessário manter-se calmo e distraído para receber todas as surpresas da vida. Deveria evitar até de esboçar suas palavras métricas.

O tolo dormia sem querer por alguns minutos. Quando acordava sempre sentia frio e voltava para dentro de seu lar. Quando reencontrou o livro na cadeira, deixou-o de lado. Dessa vez não haveria tempo para uma leitura. Foi-se deitar por apenas um motivo: O de saber que amanhã nasceria um novo dia que queria viver, onde talvez ele fizesse qualquer coisa banal soar extremamente bela.
Talvez fosse nisso que queria acreditar. Desconhecia que talvez se ele se distraísse o mundo sorriria de volta como sempre pediu.

Foi dormir tentando evitar qualquer pensamento ilusório. Por alguns segundos imaginou alguém ao seu lado, ou qualquer plano banal novamente imitando qualquer filme. Mas esqueceu de tudo e contemplou o mundo dos sonhos. Por algumas horas iria conseguir viver sem estar a margem de seus planos.

Thiago Augusto
(14-11-05)

Sunday, March 05, 2006

O padre pinto

Ele bem que poderia ter outro sobrenome. Talvez conseguíssemos levar um pouco mais a sério o seu caso.

Estou me referindo ao Padre Pinto, de quem tanto andam falando por aí. Falando e fazendo trocadilhos: “Padre Pinto solta a franga”, “Mandaram o Pinto ciscar em outro lugar”, “E se ele virar Papa? Seria o Papa Pinto!”, “Botaram o Pinto pra fora”, só para citar alguns.

Pra ser sincero, não sei bem quando a história do Padre Pinto começou. Pelo que li e ouvi dizer, uma matéria do Fantástico apresentou ao Brasil, direto de Salvador, Bahia, este padre inusitado. Ele se fantasiou, se maquiou, dançou, rebolou, tudo isso por ocasião da Festa de Reis. Me corrijam nos comentários se eu estiver enganado.

Pois é. E a Igreja não gostou nada disso. Claro que não. Como poderia gostar? Vossa Santidade, Bento XVI, pouco depois de nomeado como Papa, disse que a música pop e o rock’n’roll são “distrações profanas para a fé cristã”. Ele – o papa -, também condena as “showmissas”, como as do Padre Marcelo Rossi. A Igreja ainda insiste em ser contra o uso de camisinhas. O que fazer com um padre que invoca figuras do candomblé numa missa? (Foi o que também fez o padre na Festa de Reis). Colocaram o Pinto pra fora. (Me perdoem, não pude resistir). Afastaram o padre de sua paróquia.

Pois é, o Pinto caiu. Mais um trocadilho. (Mais uma vez peço perdão pelo trocadilho infame).

E o alvoroço só havia começado. A notícia pipocou no início de janeiro. Fiquei sabendo do tal padre já no final do mês, quando, indo ao shopping com um amigo, paramos por alguns minutos na banca de revistas de seu tio. Este último nos contou a história – além de fazer uma imitação hilária do padre – que, para mim, não passava de uma anedota. Vendo que eu não acreditava, puxou um jornal local e me mostrou a notícia.

Me limitei (e o Word insiste em querer que eu digite “limitei-me”) a dizer que o padre deveria estar doido, e achei que a notícia fosse morrer ali.

Queimei minha língua. Desde então o Padre Pinto é notícia em todo o país. Recentemente esteve no Festival de Verão em Salvador. Deu selinho em Caetano Veloso. A convite da banda de pagode Psirico, subiu ao palco e abençoou a multidão presente na festa. Foi jurado no concurso “Deusa do Ébano do Ilê Aiyê 2006” e a imprensa não cansa de citar que o Padre Pinto estava animadinho demais, sempre com um copo de cerveja em mãos.

E eu? O que estou fazendo se não repetindo as palavras da imprensa e do alto clero da Igreja, insinuando que o padre tenha bebido demais no festival e que ele está com “um parafuso a menos”, respectivamente?

Tenho meu próprio julgamento sobre as ações do padre. Penso que ele se excedeu na Festa de Reis, e ele mesmo já admitiu isso. Mas sou contra seu afastamento da paróquia da Lapinha, de onde é representante há mais de 30 anos. Todo homem merece uma segunda chance. Para a Igreja Católica, que tanto prega o perdão, perdoá-lo não deveria ser difícil.

A verdade é que o problema não está no Padre Pinto. O problema está na Igreja. Mas nesse assunto eu não me meto.


Rafael Rodrigues

Friday, March 03, 2006

O Dia Em Que Seremos Felizes

I

Corria a 120 km por hora pela estrada. Um caminho comum que sempre percorria entre seus sonhos e sua primeira casa natal. Talvez se fosse típico lembraria o nome da estrada que segue, há anos, mas não ele. Seria inútil saber o nome daquele lugar.
De onde vinha trazia no pensamento uma doce memória recente. A velocidade que se propagava, afastando os pedaços de chuva, o fazia pensar como há quase uma hora atrás sua vida era diferente, como a partir de agora tudo teria um novo sabor assustador. Ela nunca seria a mesma desde então. A história tortuosa e esquisita trazia agora consigo um novo firmamento.

II

Era tarde de sexta feira quando chegava naquela cidade. Ao menos uma vez por mês, visitava Darla, amiga antiga de longa data. O fato curioso, fazendo uma das linhas que seriam escritas essa história, é que conforme o tempo passava mais crescia a amizade dos dois, até chegar a amor.
Contando dessa forma aos leitores não é de se espantar que tudo parecesse muito fácil. Não foi. Precisou Marcelo brigar com Darla, se apaixonar por ela, ela se apaixonar por todos os outros, se tornarem amigos, viverem, chorarem, para um dia, quase sem querer esse amor se consumar.
Fez-se então, após o confuso dia que ele acordou na casa dela, ao lado dela, vendo suas roupas ao chão (Fato esse que anos atrás o deixaria dantescamente assustado se sentindo o homem mais imoral do mundo), um relacionamento estranho.
Eles eram um casal completamente moderno. Amigos desde sempre, nunca negavam que existia entre eles uma espécie de amor duradouro, que por ventura do destino, ou talvez deles mesmos, ultrapassou a linha da dependência. Fazendo um nos braços do outro sempre que possível. Mas nunca fazendo com que fosse exclusivo.
Certo, a história parece complicada para quem tivesse do lado de fora. Mas morando em lugares distantes desde sempre, a idéia era bem clara. Seriam um do outro o tempo que estivesse juntos. Após isso, a história amorosa de cada um seria problema do mesmo.


III

Era tarde de sexta feira quando chegava naquela cidade. Fazia exatos 23 dias que não se encontravam. Problemas com sua empresa, a burocracia interminável do governo, o fez adiar a viagem por duas semanas.
Pouco antes de chegar à cidade, seu celular vibrou, Darla. Sorveteria ela dizia, aquela do shopping do outro lado da cidade. Assim que ele chegasse iriam para lá.
Chegou às 15h da tarde, quase em ponto. Buzinou duas vezes em frente a sua casa no centro. Um minuto depois ela saiu, roupas leves mas com uma sutil beleza de alguém que não gostaria de ir mal vestida em um dos maiores shoppings da cidade.
Chegaram em 20 minutos devido ao transito. No gigantesco estacionamento do Shopping Matono, ela pediu um tempo dentro do carro.
Mordia a parte inferior de seus lábios, descascava propositadamente suas unhas escuras, deixava seu olhar se perder do dele, com receio.
Que ela fosse dizer algo, ao menos, importante, Marcelo poderia imaginar. Talvez um fim abrupto arruinando até a amizade. Um pedido de nunca mais, por terem ido longe demais. Porém, acima de tudo, seria melhor se ela falasse de uma vez o que estava acontecendo.


IV

Seria engraçado se não fosse deveras surpreendente. Parecia cena das comédias antigas, cuja personagem ficava com o rosto em pausa, perplexo pela notícia que acabara de receber. Mas sua vida, nesta cena, não era filme algum. E o choque inicial era visível em seu rosto. O clima gelou de leve naquele carro, e os três ali presentes puderam perceber.


V

Aos 30 anos de idade, Marcelo seria pai. Para alguns muitos que lêem, essa idade já é a adequada. Mas não para ele. Sua evolução fora sempre lenta, e ainda não era hora de um compromisso casamentório.
Atrapalhado no meio de seus pensamentos, demorou a perguntar "como?". Mas logo concluiu sua própria pergunta mental. E depois de Darla, cinco anos mais nova, esperar 50 dias por algo que não veio, deduziu sua gravidez. Teriam um filho em breve.
A surpresa inesperada do futuro bebê deixou ambos parados no carro. Ela confusa com a falta de resposta dele, e ele, por sua vez, tentando compreender a mudança radical que aconteceria a partir de agora em sua vida.


VI

Conversaram por alguns minutos ali mesmo. Depois desse passo, era necessário contar a família, aos amigos. Como faze-los compreender que desse estranho amor, nasceria algo muito mais valioso? Eles entrariam cegos, com vendas nos olhos, em um barco, sem saber ao certo que passo caminhar a partir de agora.
Passaram novamente a tarde juntos. Estavam iguais um com o outro. Era possível enxergar nos olhos de cada um o medo do desconhecido. O mergulho nas águas nada cristalinas da paternidade. Imensa responsabilidade para um casal nada ortodóxico.


VII

À noite, depois do beijo de despedida, Marcelo fora embora. Prometeram contar para as respectivas famílias, esperando que fosse decidido com calma o que fariam. Seriam tempos difíceis para cada um deles. Já podiam prever as famílias forçando uma união fugaz que mataria não só o amor, como tudo entre eles.


VIII

Fazia quase meia hora que saíra da cidade, seu celular vibrava novamente. Encostou o carro na estrada, podia imaginar quem era sem olhar para ele. Atendeu.
"Eu tenho medo. Morro de medo de tudo. É tão novo esse passo para nós, tão inesperado que eu queria chorar só para ver se minhas lágrimas conseguem secar. Tem alguém dentro de mim, que no futuro nós ensinaremos o certo e o errado. Alguém que nos fará rir ou chorar. E tudo isso me assusta muito. Eu e você somos tão diferentes, temos um amor tão idiota, mas essa presença um do outro na vida de cada um é tão inevitável quanto nossa vida em si.
Esse bebê me assusta porque tudo agora irá mudar. E eu não quero que as pontes que nos preenchem se quebrem só porque de nossa união controvérsia nascerá alguém feito a partir de nós. Tenho medo de tudo. Tudo."


IX

Uma de suas mãos apoiava-se no volante. Enquanto a outra segurava o telefone. Ao ouvi-la, quase quis chorar, o choro feliz dos homens. Mas se ambos caíssem naquela hora, seria difícil encontrar forças para se levantar de novo.
Ele sabia tudo que ela sentia, para ele acontecia o mesmo de forma total. Estava assustado, mas feliz. Pediu para não se preocupar com nada. O tempo os daria o aprendizado necessário. A única importância que deveria ser mantida era nunca quebrar o laço que os cercava, nunca deixa-lo enforcar, dividindo-os.
Falaram mais alguns minutos, ele continuou seu caminho pela estrada. Deixava momentaneamente a garota que protegia seu primeiro filho nessa terra. Nascido do amor mais impossível, coberto de um moderno, estranho de se aceitar.
No caminho, chorou. Um filho, dizia. Sentia-se mais feliz. Temeroso de seus novos passos no escuro.
Sabia que a partir de agora tudo seria diferente, mas acima de tudo não faltaria amor. De uma forma ou de outra haviam roubado para eles o pouco que restava do céu.

Thiago Augusto
(03-03-06)

Wednesday, March 01, 2006

Código dos homens de bem

Deveria existir um código dos homens de bem. Poderia ser um cacoete ou uma onomatopéia, não sei. Mas deveria existir.

Para quando os homens de bem se encontrassem, não tivessem medo uns dos outros. Pois hoje vivemos com medo uns dos outros.

Os homens de bem estão sempre dispostos a ajudar o próximo. Mas nem sempre o próximo é também um homem de bem, e muitas vezes o justo acaba pagando pelo pecador. Trocando em miúdos, o homem de bem termina por ser vítima de sua cordialidade, de sua bondade.

É a velha história: um indivíduo pergunta as horas, o homem de bem, gentil que é, pára e responde. O indivíduo ordena-lhe que “passe o relógio senão eu te mato”. E o homem de bem fica triste ao ver que os homens não são como deveriam ser.

Acontece também de um homem de bem estar voltando tarde da noite para casa, e um outro homem de bem estar na mesma situação. Um atrás do outro, numa rua deserta. O que vai à frente apressa o passo e tem medo do outro que está logo atrás. Pode ser um ladrão, e este marginal pode tirar-lhe a vida por motivo nenhum. Mas não. Ele é também um homem de bem. Se um dos dois tossisse e o outro respondesse da mesma forma, se fosse esse o código dos homens de bem, eles ficariam tranqüilos. Conversariam, até. Um convidaria o outro para almoçar em sua casa, conhecer sua esposa e filhos. Seriam amigos, esses homens de bem.

E quando falo “homens” estou falando da humanidade. Homens e mulheres. Seria muito útil para inícios de relacionamentos. Afinal, como diz o ditado popular, à noite todo gato é pardo. E seria muito útil tanto para homens quanto para mulheres, saber se aquele ou aquela que lhe atrai é ou não um homem ou uma mulher de bem. Isso não eliminaria todas as desilusões amorosas, porque até mesmo os homens de bem se perdem em outras paixões, mas reduziria bastante o número de amargurados de amor. Afinal, existem muitos que se fazem de homens de bem, mas não o são verdadeiramente.

Infelizmente um código dos homens de bem não seria necessário para fazer do mundo um mundo de homens de bem. Os outros homens, os que não são de bem, continuariam a fazer suas atrocidades, cometer seus crimes, espalhar por todos os lugares do mundo a sua burrice.

Deveria existir um mundo apenas para os homens de bem...

Rafael Rodrigues