Monday, July 31, 2006

Escolhas

Quando a situação é crítica, existe sempre aquele que pensa “pior do que está não pode ficar”. Mas fica.

- Meu filho, eu quero que você entenda que você precisa fazer isso. Você já não é mais um menino. Talvez os outros não entendam, mas não há outra saída.

Lá estava ele, parado, diante do pai. Um jovem de vinte e poucos anos e um senhor de quase setenta. Entre eles, uma mesa. Sobre ela, um revólver.

- Você não é mais um garoto. Sabe o que é certo e o que é errado. Não deve nada a ninguém, a não ser a mim mesmo, que sou seu pai, e o único responsável por você. Além de você mesmo.

Em vinte e poucos anos de vida jamais imaginou que passaria por uma situação como aquela. As maiores decisões que tomara até ali foram a escolha da área para a qual iria prestar vestibular e se iria ou não recolher e tentar colar os cacos de uma recente e desastrosa relação amorosa. E, mais recentemente, a decisão de contar ao pai toda a verdade. Acabara de chegar do hospital com o resultado de alguns exames. Não poderia esconder aquilo dele. Mais cedo ou mais tarde ele saberia. Precisava contar, e contou.

- Pense em sua mãe, meu filho. O que você acha que ela diria? Imagine-a em sua frente agora. Aposto que ela estaria concordando comigo. Como sempre concordou, lembra?

Não saberia dizer se aquele “lembra?” se referia ao fato de sua mãe sempre ter lhe apoiado ou se à situação semelhante, pela qual sua mãe também passou. Uma doença, um destino: a morte. O casal chegou à conclusão de que o fim deveria ser adiantado. Não queriam sofrimento ou dor. Não havia escolha, enfim.

- Tenho certeza de que você deve fazer isso, meu filho. E lhe digo mais: se eu estivesse no seu lugar, eu faria o mesmo.

Ficou em dúvida sobre essa declaração. Será que se fosse ele, com vinte e poucos anos, passando por aquela situação, será que ele faria mesmo aquilo? Por que diabos contou-lhe o resultado do exame? Ele sabia porquê. Não suportaria a dor de ver a morte, aos poucos, tomar o lugar da vida. No fundo, no fundo, concordava com o pai. Só não queria admitir.

- Meu filho, obedeça o seu pai. Pegue esta merda de revólver e puxe a porra do gatilho!

Só um deles sairia vivo daquela sala.


Rafael Rodrigues

Sunday, July 30, 2006

Entardecer de um dia


Era o entardecer, mas não de dia, de uma vida.

Debruçado na janela do quarto, admirava uma vista sem brilho, morta, condenada por pensamentos torrenciais, inundado por suas mágoas. Sua cor havia se apagado, seu brilho esvaecido, seu cheiro putrefato e suas esperanças enterradas.

Sua vida não havia sido assim tão ruim, nem tão boa, apenas apagada. Talvez fosse essa toda sua dor. Um pôr do sol nunca assistido, uma lua cheia sem poetas ou amantes, uma presença oculta, uma vida borrada.

Seus dedos corriam por cima das bordas falhas da janela. Assim ia juntando poeira, praticamente ignorando as gotas que jogavam-se contra a janela imitando suas lágrimas que rolavam olho abaixo. Ele próprio ignorava as lágrimas, negava-se o direito de sentir-se triste, tentava censurar o barulho ensurdecedor de seu silêncio.

Aos poucos reuniu forças para levantar-se. Descalçou seus chinelos de dedo, jogou seus óculos sobre a cama e cambaleando dirigiu-se para a porta. Observava tudo ao redor, os porta-retratos em cima do criado mudo, agora localizados no seu chão de madeira polida, os quadros que tentavam roubar sua melancolia mórbida, os móveis em pinho cobertos com lençóis brancos, que mais pareciam fantasmas na penumbra de seu ser. Assim foi caminhando por onde outrora caminhara o outro, sem toda a aflição e peso que o vazio agora lhe causava.

Adentrando o corredor sem luz, alcançou a porta que o separava do mundo e a contemplou. Não mais significava uma saída de seu mundo, de seu esconderijo, apenas um vento frio que sopraria nas labaredas sulfúricas do inferno de seu eu, do câncer que corroia seu corpo e sua alma, do espaço carbonizado antes adornado de cores em tom pastel.

Abrindo a porta, sentiu a brisa fresca que beijava seu rosto não-barbeado. As gotas de chuva foram, aos poucos, misturando-se às lágrimas contidas e essas agora tornavam-se torrenciais. Sua camisa de botões não parecia ter o mesmo valor que na vitrine, e suas calças que destoavam com a tonalidade da primeira aos poucos perdia-se na mistura com a lama de seus pés.

Sem fechar a porta sentiu a chuva como que pela primeira vez, e abriu os braços envolvendo o mundo. Este parecia reunir-se naquele momento, naquele lugar e que ao mesmo tempo parecia-lhe tão estranho, desbravado e assustador.

As nuvens choravam seu choro e a terra preparava-se para receber-lhe. Ninguém jamais decifraria sua dor, talvez nem importasse a qualquer um. Ele seria, mais uma vez, usado em propósitos que nada o acrescentaria. Naquela situação todos eram bons, pensava. E assim deixou-se abraçar a terra e passando o frio que assolava seu corpo, passou, após algum tempo, a sentir que fazia parte de algo e assim uniu-se à imensidão do mundo, perdendo-se na ignomínia da covardia, no entregar-se ao derradeiro vazio.


Eduardo Leite

Tuesday, July 25, 2006

Sonhos de Bunker Hill


Cego e com as duas pernas amputadas. Esse era o estado do escritor norte-americano John Fante quando terminou de ditar à sua esposa o romance “Sonhos de Bunker Hill” em 1982.

Mais conhecido por “Pergunte ao pó”, considerado por muitos como sua obra-prima, John Fante nasceu em 1909 no Colorado e faleceu em 1983, aos 74 anos.

Sobre ele, Bukowski, o velho safado, escreveu: “Finalmente aqui está um homem que não tem medo da emoção”.

“Sonhos de Bunker Hill” tem o mesmo personagem de “Pergunte ao pó”, “Espere a primavera, Bandini” e “O caminho de Los Angeles”, outros romances de John Fante. Ele é Arturo Bandini, que vem a ser um alter ego do autor.

No início de “Sonhos...”, Bandini é um “ajudante de garçom, sem igual”, palavras dele, pois o romance é narrado em primeira pessoa. “Eu tinha algo mais a oferecer a meus fregueses além da habilidade de garçom, porque eu também era escritor”. Bandini achava-se um fenômeno: “Um dia este fenômeno tornou-se conhecido, depois que um fotógrafo bêbado do Los Angeles Times sentou no bar e bateu várias fotos minhas... No dia seguinte havia uma reportagem de destaque anexada à fotografia do Times”.

A partir dessa reportagem, Bandini começa a ter algum êxito na carreira de escritor. Consegue vender algumas histórias e então recebe seu primeiro “retorno financeiro literário”, digamos assim. Após algumas idas e vindas, arruma um emprego como roteirista de cinema. É pago (e muito bem pago) para fazer nada. Fica em sua sala esperando seu chefe solicitar seus serviços. No início ele reclama, mas depois acostuma-se, apesar de não estar satisfeito com aquela situação. Bandini quer mostrar seu trabalho. Quer mostrar a todos do que ele é capaz, se considera um fenômeno, não esqueçam.

Durante o livro, o jovem aspirante a escritor se envolve com figuras no mínimo inusitadas. E tem atitudes no mínimo estranhas. Bandini é um cara estranho. E tem uma capacidade incrível de se ajoelhar aos pés de diferentes mulheres em curtos espaços de tempo e dizer “eu te amo”.

Uma delas é Helen Brownell, talvez a única pela qual ele tenha sentido algo verdadeiro. Mas Bandini é Bandini, e ele a perde, como todas as outras.

No meio de tantas aventuras, ele acaba esquecendo do principal: escrever.

Qualquer aspirante a escritor gostaria de ser o Bandini de “Sonhos de Bunker Hill”. Mas não poderia cometer os mesmos erros que esse personagem curto e grosso, mas ao mesmo tempo sensível e bem humorado. Algumas atitudes do protagonista são tão absurdas que acabam se tornando engraçadas. Isso faz com que a leitura da obra seja muito agradável e rápida. Você acaba querendo saber qual o próximo passo de Bandini, qual sua próxima loucura.

Pode não ser uma obra-prima da literatura, mas é uma leitura muito divertida e de grande valor literário. Não se pode negar isso.

“Não era meu, mas, com que diabos, um homem tem que começar por algum lugar”. (Arturo Bandini)

Monday, July 24, 2006

Testamento

É uma pena, mas coloco os pés na linha do senso comum, só para minhas palavras seguintes não beirarem o ridículo. Mas faço da vida uma personificação, só para lhe dizer que a mim ela está amarga.
Há dias que passam arrastados, difíceis de serem levados pelo tempo. Eu continuo minha caminhada sem motivo algum, sentindo esse gosto que ganha de meus sentidos, agredindo minha cabeça, confundindo minha visão.

Seria fácil dizer que tudo está ao contrário, e ninguém pôde reparar nesse detalhe. Mas se tudo fosse tão simples como uma volta completa, eu já teria sobre essa mesa todos meus sonhos construídos. Daqueles que sonhei desde criança e que agora homem posso realizar.
Cada dia que passa, aumentando meu tempo, envelhecendo o calendário, desapareço. Se alguém notasse, veria que estou sempre lá, mas aos poucos, as mãos vão perdendo sua postura, as costas começam a latejar, e dentro de minhas veias sinto ausentar-se o sangue. Encolho-me até beijar a insignificância de um inseto, que morre por causa do atrito das solas dos sapatos com o chão.

Cada centímetro que me deixa inferiormente menor, é um pedaço de minha vida que se vai. É o riso agonizante das abóboras, o gargalhar das crianças diabólicas, apontando seu dedo para as diferenças. É a afirmação de que fiz da minha existência uma arte teatral, se preocupando em alegrar o público, sem se importar se o artista gostava daquela peça.
O espelho que me reflete é tingido somente de enganos. Quando no final do espetáculo eu tiro a maquiagem, não vejo rosto algum para me definir com precisão.

Toda vez que o sol ilumina a alvorada, desperto em meio ao sangue escorrido na noite passada. Do tiro a queima roupa do meu amor, do punhal incrustado em minhas costas desferido por meu irmão, das cartas de preocupação que recebo mas que significam no final só política.
Junto forças e me levanto, sentado a minha mesa vazia. Enquanto algumas cicatrizes ainda não fechadas pintam de sangue o acento em que estou. É assim a realização de meus atos, uma mentira. Um vazio que chamei de palco, sem público algum para me dar aplausos, somente alguns loucos que cospem para me refrescar o rosto.

Vejo com o passar do dia as sombras novamente invadindo minhas ilusões. A vida que criei, achando que faria a diferença, sem saber que um dia a diferença seria a de que eles viveram enquanto fingi. Nessa sombra duvidosa eu me atiro, querendo me proteger do sol, da verdade horrenda que colhi nesses anos, procurando um fruto inexistente para mordê-lo por inteiro. Procurando algum sabor que corte o veneno de meus lábios.
Nesses passos obscuros não afirmo nada para não ver minhas crenças, se ainda as tenho, serem quebradas. Sem saber se o que haverá em minhas mãos são flores que trago para você, só para descobrir que já ganhaste um buquê melhor; uma obra complicada talhada com nossas forças; ou um punhal que se embebedará de meu sangue, quando você se tornará minha algoz.

Desço até o jardim a procurar, encontro poucas mudas. Sei que preciso plantar de novo. Volto ao meu vazio e em pouco tempo minha poção mágica está sobre a mesa: um veneno mortal que se ingerido cessará minha inútil existência. Há dias faço isso, como forma de me dar forças, gerar minha motivação banal para continuar amando a vida.
Conforme avança a noite passo minhas narinas sobre a poção, mexo-a diversas vezes com meus dedos, como se fosse um herói, dançando um tango com o diabo, resistindo à tentação de lhe vender a alma.

Passo o resto da noite rindo das outras pessoas. De sua felicidade burlesca, da luxúria que não deixam escapar, da ternura tão rasa, do inferior em que vivem. E assim passo a me achar rei, o senhor das palavras, da ilusão, mágico, que desencadeou um dominó em sua própria vida, colhendo o que lhe restou, migalhas para sanar sua fome. Se alimentando da suja, putrefata, corrompida e corrupta alma de si mesmo. Porque eu fui o ser original, seguindo tão bem suas linhas que após terminado o espetáculo, ficou sem falas.
Dilacerando sua carne com as unhas, cortando o próprio corpo para ultrapassar a existência, sentindo o coração vivo, latejando sobre o chão, enquanto a coloração bela das hemoglobinas pinta mais uma vez a superfície de minhas lamentações.

Quão romântica é minha ilusão. Quero que dêem aplausos pelas minhas palavras, chorem de piedade pelos erros, lamentem-se que minha vida fora mais infeliz do que a sua. As minhas metáforas são meu ópio, a única essência original que sobrou de minhas falácias.
O único motivo que não me deixa desaparecer, agora que não tenho mais o tamanho que nasci, são as palavras que preenchem esse papel. Quis nomeá-las como meu triunfo, único motivo para minhas carnes não cederem aos vermes pestilentos.

Tive medo ao iniciar essas palavras, que elas soassem como minhas declarações de amor, recebidas com asco pelas donzelas. Queria eu escrever palavras sobre o nosso futuro, sem saber que estou condenado a mim mesmo. Jurado a ficar sob meus domínios, cercado de meus demônios.
Tornei-me a prisão de mim mesmo, escravo de meus caprichos, ator de minha própria vida. Um arlequim zombeiro que não distingue mais a festa de seu carnaval para dor de seu funeral.

Thiago Augusto
(24-07-06)

Tuesday, July 18, 2006

Sugestão

Dia 14 de agosto vai rolar um debate entre os candidatos à presidência da república na Band.

Falando sério: sugiro que nos juntemos, como fizemos nos jogos da seleção brasileira de futebol - que nem anda merecendo isso, aliás -, para assistir ao debate.

Acho que chegou a hora de a gente dar uma atenção maior à política, vocês não acham?

Uma propaganda da MTV resume bem nossa situação. Ela diz mais ou menos o seguinte: o governo atual está manchado pelos escândalos de corrupção. A oposição quer voltar ao poder, e pensa que nós nos esquecemos do que eles fizeram na administração passada. Temos que abrir o olho e pensar muito antes de apertar o “Confirma” nessa próxima eleição.

Não me vão votar na Heloísa Helena, pelo amor de Deus. Essa mulher tem cara de que parte pra cima de qualquer um pra argumentar na base da porrada. E nem no Cristóvão Buarque, que me parece um bom homem, mas não acredito que tenha um bom partido ou uma boa equipe de governo. Nem no Alckmin! Vejam só como está São Paulo…

Enfim. Assistam ao debate. Tentarei lembrar aqui mais algumas vezes. Se eu me lembrar de que prometi lembrar, claro.


Rafael Rodrigues

Sunday, July 16, 2006

Um Tiro No Escuro

"Que bom que eu não tinha um revólver
Quem ama mata mais com bala que com flecha
Ela deixou furo
E a porta que abriu
Jamais se fecha"
Adriana Calcanhotto,
Bagatelas


O que você faria se tivesse uma arma na mão? E estivesse no escuro, só, ouvindo os barulhos ao seu redor sem saber quem ou o que está ao seu lado?

Ele resolveu atirar. Com o único tiro que havia dentro daquela arma e fugiu, desesperado.

Encontraram um corpo, vivo, no local. Estava desmaiado. Chamaram a policia e uma ambulância que chegou rapidamente.

Foi estranho para ele assistir o noticiario da tevê naquela noite. Pelos jornais, diziam que o corpo tinha sido ferido, e eram visíveis duas marcas de tiros.

Se levantou de sua cama, num motel vagabundo, espantado. Tinha a certeza de que somente uma bala havia no pente, e só ouviu um disparo.

Naquela mesma noite, mais cedo, ele havia dado um tiro no escuro, mas quem seria o responsável por aquela outra ruptura? Quem também teve a coragem de estar cego, sem razão, e apertar o gatilho sem hesitar? E, afinal, qual daquelas marcas seriam um furo, que nunca iria se fechar, ardendo sempre em carne viva?

Thiago Augusto

Thursday, July 13, 2006

Mãos de cavalo

"Mãos de cavalo" (Companhia das Letras, 189 págs.) é o terceiro livro publicado pelo escritor Daniel Galera. Os outros dois são "Dentes guardados" (contos) e "Até o dia em que o cão morreu" (romance), em 2001 e 2003, respectivamente, ambos pela editora Livros do Mal, criada por ele, pelo também escritor Daniel Pellizzari e pelo ilustrador Guilherme Pilla, e que atualmente se encontra "desativada".

Na nova obra de Daniel Galera, duas histórias são narradas, em capítulos alternados: a de um garoto, sua infância e adolescência, e a do adulto que esse garoto se tornou.

Seu nome é Hermano. "Mãos de cavalo" é seu apelido quando jovem, "por causa do comprimento exagerado de seus braços e das mãos enormes e possantes como as de um estivador nórdico, contrastantes com seus meros quinze anos de idade".

Então morador da Esplanada, "que era o nome de um loteamento residencial mas operava na psicologia de seus moradores como algo muito mais imponente, como o nome de um verdadeiro bairro. Se a Esplanada ainda não era um bairro, um dia seria", na cidade de Porto Alegre, Hermano é um garoto introspectivo, não fala muito. Mas isso não o impede de conviver com os garotos que moram na Esplanada e redondezas.

O Hermano adulto tem trinta anos de idade, é um cirurgião plástico bem sucedido (boa parte do sucesso se dá por conta das suas "mãos de cavalo"), casado e com uma filha. Mas esse Hermano "na verdade é um homem solitário...". Podem me corrigir se eu estiver errado, mas nos capítulos que narram a vida adulta do "Mãos de cavalo", seu nome não é citado uma vez sequer. O homem se perdeu do menino. A única coisa que talvez ligue um ao outro talvez seja a vontade de desafiar limites.

Sempre existiu dentro de Hermano uma inquietação que o forçava a testar seus limites físicos. Quando criança, costumava correr - a pé ou de bicicleta - por horas seguidas, até não mais poder. Tinha também uma tendência masoquista ou suicida, talvez, pois às vezes provocava - sim, propositadamente - quedas quase
fatais de bicicleta. O adulto que ele se tornou muda de hobby, mas continua tendo a necessidade de correr riscos. Ele pratica alpinismo.

E é quando um amigo o desafio a escalar uma montanha ainda não explorada por aventureiros, que se inicia a "odisséia" de Hermano.

Ao invés de seguir o cronograma - que seria ir até a casa do amigo, para de lá iniciarem a viagem -, ele cruza as ruas de Porto Alegre, buscando respostas que talvez jamais encontre. Hermano vai atrás de seu passado e chega à já encorpada Esplanada, para tentar resolver pendências de seu passado. É quando ele quase tem um encontro consigo mesmo, e sua vida talvez mude a partir daí. Se isso ocorre ou não, é uma outra história.

Tive a oportunidade de ler romances que contam a história de um personagem utilizando duas ou três fases de sua vida, alternando os capítulos. E não tenho boas lembranças. A linguagem de Daniel Galera - no sentido de saber qual o tom adequado para esta ou aquela cena do livro - é o que faz a diferença e torna "Mãos de cavalo" um belíssimo e imperdível romance.




Mãos de cavalo
Companhia das Letras
Daniel Galera
189 páginas
R$ 34,00
Rafael Rodrigues

Friday, July 07, 2006

NATUREZA x CIVILIZAÇÃO

A natureza é o reino das relações necessárias de causa e efeito ou das leis naturais e imutáveis, enquanto que a civilização é o reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos próprios homens, em seu aperfeiçoamento moral, técnico e político. A natureza é o reino das necessidades (isto é, das coisas e acontecimentos que não podem ser diferentes do que são); a civilização é o reino da liberdade (isto é, onde os fatos e acontecimentos podem ser diferentes do que são porque a vontade humana pode escolher entre alternativas contrárias possíveis.

Fonte: Convite à Filosofia, Marilena Chauí.

Parece que, de alguma forma, perdemos a noção do que é civilização e continuamos vivendo pelas leis da selva. Até quando?


Eduardo Leite

Wednesday, July 05, 2006

Aos vinte e três

Aos vinte e três anos de idade Arthur Rimbaud (1854-1891), gênio da poesia francesa, já havia deixado de escrever e vivia fugindo da polícia, pulando de país em país, de emprego em emprego.

Charles Baudelaire (1821-1867), outro gênio da poesia nascido na França, já havia escrito alguns dos poemas que seriam publicados anos mais tarde em “As flores do mal”, e trocava umas idéias com ninguém menos que Balzac.

Álvares de Azevedo (1831-1852), um dos nossos maiores poetas românticos, talvez o maior, nem chegou a completar seus vinte e três. Morreu antes de fazer 21, mas sua obra (“Lira dos vinte anos”, “Noite na taverna” e “Macário”) já fora toda escrita.

Meu mestre, o escritor mineiro Fernando Sabino (1923-2004), publicou “A marca”, novela que foi aclamadíssima na época, muito antes dos vinte e três. Nessa idade, ele tomava chopes com Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes, entre outros.

Aos vinte e três, John Fante (1909-1983) tinha um contrato editorial e começava a escrever “O caminho de Los Angeles”, romance que só seria publicado depois de sua morte, pois foi considerado impublicável nos anos trinta, e era dado como perdido, até a esposa dele encontrar o manuscrito no meio das tralhas de Fante.

Um exemplo mais atual: Daniel Galera (1979-...), autor do romance “Mãos de cavalo”, tocava uma editora independente (a Livros do Mal) com mais dois amigos (Daniel Pellizzari e Guilherme Pilla) e já havia publicado dois livros. Um de contos e um romance.

O venezuelano Fernando Baez (1970-...) estava a um ano de iniciar uma pesquisa de doze anos, que resultou no seu recém publicado “História universal da destruição de livros”.

Eu poderia passar dias e dias pesquisando e citando mais exemplos de gente que, aos vinte e três, já haviam feito muita coisa (importante). Mas não seria uma boa idéia. Minha auto-estima não suportaria.

O caso é que, quando você estiver lendo esta croniqueta, eu já terei completado vinte e três anos de idade. E tudo o que tenho são apenas alguns textos espalhados em alguns sites e uma pilha de livros para ler e resenhar, além de um curso de graduação que, sinceramente, só não jogo pro alto por falta de coisa melhor. E, de certa forma, foi ela que me deu o pouco que tenho.

Eu não costumo ser pessimista. Mas, com licença: hoje, o dia é meu.


Rafael Rodrigues
(05/07/2006)

Sunday, July 02, 2006

Crônica de uma desclassificação anunciada

* Texto publicado ontem, dia 01 de julho de 2006, no blog Paralelos.

Não estou conformado ainda.

O Brasil inteiro pedia. A imprensa clamava. Eram quase exigências: "Juninho Pernambucano tem que jogar!" e "Robinho tem que ser titular!".

Isso porque, no jogo contra o Japão, a seleção brasileira de futebol jogou muito bem. Na partida seguinte, contra Gana, a formação voltou a ser a mesma dos dois jogos anteriores, com Adriano e Ronaldo, o (ex) Fenômeno, compondo o ataque. O placar "elástico", de 3x0 foi enganoso. Não correspondeu à realidade do jogo. Uma partida na qual, como as anteriores (a exceção do jogo contra o Japão), o Brasil não jogou muita bola.

E aí hoje, contra a França, Parreira escala Juninho Pernambucano como titular. Robinho não entrou por estar vindo de contusão e, apesar de ter sido liberado pelo departamento médico, o técnico preferiu não colocá-lo em campo desde o início. Mas finalmente Juninho iria começar jogando, e isso era o que importava pra muita gente.

Não pra mim.

Notei algo que não vi ninguém dizer ainda. Talvez por não ser uma opinião correta, mas compartilharei com vocês: Juninho só deu certo porque aquele time que jogou contra o Japão estava sem 5 jogadores titulares. Não participaram daquela partida: Cafú, Roberto Carlos, Adriano, Émerson e Zé Roberto. Nos seus lugares estavam, respectivamente: Cicinho, Gilberto, Robinho, Gilberto Silva e Juninho Pernambucano.

Foi o gás desses reservas que deu àquele jogo uma nova ótica, um novo ritmo. Por isso Juninho Pernambucano jogou bem, porque ele não estava sozinho. Todos os outros reservas que entraram com ele, o apoiaram, se apresentaram para o jogo, para receber bolas.

Hoje, quando Parreira escalou o Juninho e o Gilberto Silva no time, não era de se esperar o mesmo êxito conseguido contra o Japão. Eu senti isso. Minha esperança estava em Ronaldinho Gaúcho apresentar seu bom futebol, coisa que não aconteceu.

Desde o jogo França x Espanha, no qual Zidane fez uma partidaça, eu já estava com um mau pressentimento (e o Pelé também, pelo que vi), que se confirmou ao longo da partida de hoje.

Mas é claro que até o fim do jogo eu estava de mãos cruzadas, apreensivo, esperando um lance de sorte, uma jogada brilhante de alguém, que não aconteceu.

E o Brasil volta mais cedo pra casa. A melhor seleção da copa é despachada nas quartas de finais. Nós tínhamos os melhores jogadores. Tínhamos uma comissão técnica experiente, campeã mundial em 1994 com um elenco bem limitado. Tínhamos até um amuleto(!), Zagallo. Tínhamos tudo. E agora não temos nada.

O que resta é torcer para o Felipão, e para os nossos "irmãos" lusitanos.

E não adianta falar que "o sonho do hexa ficou pra 2010". Se o próximo técnico da seleção (Parreira tem que sair!) não tiver autonomia e peito para aposentar essas lendas que só pensam em bater seus recordes, não vamos ser campeões tão cedo.

Ah, e agora os jornais podem voltar à programação normal: corrupção e violência.


Rafael Rodrigues