Wednesday, September 27, 2006

Balada do Cão

Abri os olhos. Foi uma briga horrível pelo que posso me lembrar. Estou há dois dias deitando na cama sem encontrar o sono. Tendo que passar horas, madrugada, para dormir quando o cansaço me vence.

Algumas daquelas palavras grudaram em minha mente, não querem sair. As palavras ferinas que me machucaram, meus espinhos e pregos fazendo o crucificar de alguém.

Toca o telefone, abro os olhos pensando ser madrugada. Erro gigantescamente, o relógio marca quatro horas da tarde. Atendo, Vanessa do outro lado, com sua voz adocicada, dizendo as mesmas palavras de sempre.

Pedindo desculpas de suas atitudes, mesmo sabendo que esta errada prevejo que fará tudo de novo. É uma garota que não vai mudar. Meus sentidos se afundam mais um pouco com esse telefonema.

Depois de suas poucas palavras, há outra ligação na linha dela. Desligamos, fico com sua ultima frase na cabeça por alguns segundos. “Um Abraço”, como pode tratar alguém que ela supostamente tem afeto deixando só um abraço? Desde quando me tornei tão fraternal?

Senta na cama para em seguida deitar. Aperto os olhos. Sinto fome ajuda, mas já está tarde para o almoço. Vou até a cozinha, copo d´agua, dois pedaços de bolo, o suficiente.

Tomo banho, saio da casa, ando pelas ruas de forma não natural. Não sei o que tenho. Passo numa locadora, filmes, dois, volto pra casa. Abro a porta correndo por causa do telefone.

Mariana dessa vez, quando me diz "preciso contar as novidades" posso contar com o pior. Dez minutos depois estou no subsolo de mim mesmo. Meus questionamentos vêm em forma de uma dor que me aquece, fazendo minhas mãos suarem. Abro um caderno, inicio minhas palavras.

Penso em Eli. A mulher enigmática, sempre um mistério. Deus sabe o quanto daria para conversar com ela agora. Saborear sua essência única, embriagada pela sobriedade. Talvez ela pudesse me compreender.

Volto as minhas palavras, sigo sem caminho algum. Posso contar alguma história, mas não sei findá-la. Arrisco a contar minha própria história. Um misto de ficção com a realidade que me pesa, cortando minha leveza. Vou perdendo todos os fios com o tempo. A idéia aos poucos vai morrendo, como o peixe que sai fora d´agua.

Telefone novamente, começo a cogitar a idéia de ignorá-lo até o dia seguinte. Amigos, obrigado, não quero sair por ora. Palavras de novo, agora inspirado por uma bela canção volto a elas. Minutos depois, morte. O mesmo acontece. Deixo mais um texto sem acabar.

Passo a noite inteira esperando o sono. É manhã, o dia não nasceu mas as horas já estão avançadas. Deito na cama. Fecho os olhos. Penso no dia de hoje. No peso que existe em mim por ser uma espécie de Super Homem, se frustrando com cada atitude ilícita que as pessoas que me cercam cometem. Vivendo os prazeres irrisórios e invisíveis.

Junto tudo em um caldeirão, penso nas minhas palavras. Hesito, mas levanto. Abro o caderno, inicio mais uma de minhas memórias:

Abri os olhos. Foi uma briga horrível pelo que posso me lembrar. Estou a dois dias deitando na cama sem encontrar o sono. Tenho que passar horas, madrugada, para dormir quando o cansaço está me vencendo...

Thiago Augusto
(08-01-06)

Monday, September 25, 2006

Sou um suicidário?

Eu sempre pensei em postar isso no blog, mas sempre declinei, para não preocupar a minha namorada.

Mas agora, que li isto, fico mais tranquilo:

"Nunca dirijo meu carro por cima de uma ponte sem pensar em suicídio. Quero dizer, não fico pensando nisso. Mas passa pela minha cabeça: SUICÍDIO. Como uma luz que pisca. No escuro. Alguma coisa faz você continuar. Saca? De outra forma, seria apenas loucura. E não é engraçado, colega. E cada vez que escrevo um bom poema, é mais uma muleta que me faz seguir em frente."

Palavras de Charles Bukowski, em "O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio", livro sobre o qual escreverei uma resenha amanhã*. Ao menos espero ter tempo para isso.

Mas então. Eu dizia que sempre pensei em postar isso no blog. Mas o "isso" não se referia às palavras de Buk. E sim ao seguinte.

Sempre que volto da casa dela para a minha, quando estou de carro, eu meio que imagino como seria jogar o veículo contra outro, ou simplesmente fazê-lo atingir a maior velocidade possível, e "bater" de leve no canteiro. O carro capotaria e tal.

Eu não farei como Pedro Nava, que disse aos amigos "Sou um suicidário", salvou um amigo do suicídio (segundo Fernando Sabino, o tal amigo ligou para Nava, dizendo que iria se matar; Nava então pediu que ele esperasse um pouco, pois queria vê-lo pessoalmente uma última vez; chegando na casa do suicida, convenceu-o a desistir do ato e levou consigo o revólver com o qual o amigo ameaçara se matar; tempos depois, Pedro Nava cometeria suicídio, dando em si mesmo um tiro; talvez, justamente, com aquela arma...) e depois se matou.

Posso até ser um suicidário. Mas sou como Bukowski. Que pensar, no suicídio, até pensava. Mas foi morrer aos 74 anos, não me recordo agora de quê.


Rafael Rodrigues
* A resenha já foi escrita e publicada.

Thursday, September 21, 2006

Divagar

A verdade é um conto de fadas
Tomou a honestidade por decepção
O amor doce e árdua criação do homem
Trocou-se pela efêmera paixão
Cruel e fugaz, de tanto machucar um jovem coração
Constituiu armadura nada deixou senão solidão

Desconfiança não traz prazer
Tampouco se faz solução
Para fazer cessar o sofrer
Procura-se usar a razão

Almejo desesperadamente saber
Por que será que tento em vão
Fazer a todos perceber
Que o real valor do que tenho a oferecer
Deve-se reconhecer de imediato, quando junto
Não Após a separação

Um dia hei de contemplar toda essa distorção
Moer, triturar, destruir com toda força contida
No rancor, amor e morte
Do teu infame, indigno, podre e covarde coração.

Wednesday, September 20, 2006

Dicas úteis para uma vida fútil

Quanto melhor o livro, mais complicado escrever sobre ele. Não sei se com os críticos é assim, mas comigo, mero “recomendador” de livros, é.

A responsabilidade é maior, creio eu. Um texto mal escrito pode espantar leitores, ao invés de fazer com que eles procurem a obra, se interessem por ela. Afinal, é essa a intenção de uma resenha: fazer com que o leitor procure o tal livro, folheie ele em alguma livraria, busque informações na internet, procure um amigo que tenha a obra para emprestar.

(Se seu amigo for como eu, desista. Ele inventará mil motivos para não emprestar o livro).

Ainda mais se ele for “Dicas úteis para uma vida fútil” (Relume Dumará, 224 págs.), de Mark Twain. Com o subtítulo de “um manual para a maldita raça humana” é um livro imperdível.

Poucos livros me impressionaram pelo projeto gráfico. Antes desse, só “O amor esquece de começar”, do Fabrício Carpinejar. Mas a Relume Dumará realmente teve um cuidado especial com esta obra de Twain. O livro é muito bonito, e muito bem acabado. Nota-se que houve um enorme cuidado em sua edição. A capa é bonita e o livro é recheado de fotos de Mark Twain, além de fac-símiles de manuscritos do autor e de páginas de jornais nos quais saíram seus textos.

Pegando o gancho, os textos reunidos em “Dicas úteis para uma vida fútil” são cartas, trechos de discursos de Mark Twain e escritos autobiográficos, como diz a orelha, e que eu prefiro chamar de crônicas.

Alguns desses textos são curtos, e posso até transcrever um inteiro aqui, como aperitivo:

“Desejo de Natal (publicado no New York World em 1890)
Ao editor do The World:
Meus calorosos votos e imensas esperanças natalinas de que todos nós (os da alta, os da baixa, os ricos, os pobres, os admirados, os desprezados, os amados, os odiados, os civilizados, os selvagens) possamos nos reunir em eterna paz e felicidade (exceto o sujeito que inventou o telefone).
Mark Twain
Hartford, 23 de dezembro.”

Em todos os textos há, no mínimo, a informação do ano em que ele foi publicado. Alguns têm a data exata, outros vêm acompanhados de uma pequena introdução, explicando como surgiu o tal escrito.

Mark Twain, ou Samuel Langhorne Clemens – seu nome de registro – não teve uma vida fácil – ficamos sabendo disso na introdução do livro. Mas nem por isso deixou de ser um homem bem humorado. Como quando dá dicas de como se comportar em um velório (“Não leve seu cachorro”), ou quando debocha de Benjamin Franklin (para depois se render a seus ensinamentos, que são passados de geração para geração nos Estados Unidos) e quando deixa um aviso ao próximo ladrão que tentar roubar sua casa, dizendo que “esta casa só tem baixelas de alumínio, agora e sempre” e pede “Por favor, feche a porta ao sair.”

Alguns dos textos presentes em “Dicas úteis para uma vida fútil” são inéditos. Outros, estavam fora de catálogo há décadas.

Eu, que não tinha lido nada ainda de Mark Twain, me diverti bastante com as palavras deste que é “a mais conhecida voz literária americana no mundo”, como diz a orelha do livro.


Rafael Rodrigues
* Resenha publicada originalmente no blog Paralelos

Monday, September 18, 2006

Palavras Finais

É assim: Eu encerro por aqui minha obra, estúpida, que nada fez à mim a não ser consumir meu inútil tempo nessa vida. Deixo essas palavras podres para quem quiser ler. Na esperança que meus versos mudem alguem que não eu.

Rasgo as prosas nunca terminadas, quebro os lápis para evitar as tentações e espero, com severo desejo, que tudo vire o seco pó dentro de mim. Não deixando inspiração alguma sair por qualquer fio de meu traumatismo.

Não esperem que minhas palavras sejam brilhantes como diamantes eternos. Elas são tão sujas quanto certos pensamentos que levam. Evito terminar esses verbos com uma frase que doesse os olhos. Poderia dizer milhares de versos dolorosos para ferir os leitores, mas nada disso me importa.

Encerro por aqui minha última obra, tão mansa quanto todas as outras. Tão repetida como as palavras de bom dia. Tão fulgás como todos os amores.

Thiago Augusto
(26-11-05)

Thursday, September 14, 2006

Resolvi parar de escrever (Parte 3 - Final)

Teve um cara – acho que ele mora ou morava, não sei mais, no Rio de Janeiro – que leu um texto meu que era mais ou menos assim: um professor universitário, que também era escritor, sempre andava com um livro na mão. Sempre lendo, o tempo inteiro. No ônibus, em filas de banco, em salas de espera, sempre com um livro na mão. Na sala de aula, ele mandava seus alunos se dividirem em grupos e fazer qualquer trabalho medíocre, enquanto ele lia alguma obra ou escrevia algo para seu eterno novo livro, que nunca acabava. O conto não tinha nada de mais, mas o tal carioca me enviou um email, perguntando em que faculdade eu dava aula, pois ele queria ser meu aluno quando ingressasse na faculdade.

Mas isso não me faria parar de escrever, óbvio. O que me fez parar mesmo, além de eu quase ser preso, foi um outro conto.

Nele eu contava a história de um casal de amigos que se conheciam apenas via internet. Mas aí surge uma oportunidade de a garota visitar o rapaz, o que ela faz. E eles se envolvem, e a história é melosa e de final feliz. Pois eles se casam e vivem felizes para sempre. Alguém tem que mudar de cidade, mas enfim, vocês não precisam saber da história toda.

O caso é que, pouco tempo antes de eu publicar esse conto, uma amiga virtual minha pôde vir aqui na cidade. E aí finalmente nos conhecemos. Nada aconteceu entre nós, mas o namorado dela terminou com ela e minha namorada também terminou comigo. É brincadeira?

O lado bom disso foi que ela, minha amiga, veio mesmo morar aqui, e estamos namorando até hoje.

Mas nem isso muda a minha decisão. Eu parei mesmo de escrever. E ponto final.


Rafael Rodrigues

Wednesday, September 13, 2006

Resolvi parar de escrever (Parte 2)

Bom, até aí tudo bem. Até que dava pra agüentar. Era só responder umas trocentas vezes a mesma coisa. “Não, não aconteceu comigo. Eu inventei mesmo”. Ou então, dizer que aconteceu com um amigo. Acho que dava pra levar. Mas as perguntas e suspeitas não ficaram apenas nisso. A polícia entrou no meio.

Acham que estou brincando? Estou falando seriíssimo. É porque o jornal aqui da cidade não tem site, senão mostrava o link pra vocês. Ah, esqueci de dizer que a cidade onde moro é um ovo. Interior e tal, não é uma cidade grande. E as pessoas que vivem aqui, vocês precisam ver, têm uma mentalidade tão pequena, que vou te contar. E o bonitinho aqui inventou de criar um blog. Eu devo mesmo me achar melhor que todo mundo, como o Raskolnikov, do Dostoievski. Mas também, tenho motivos pra achar isso. Ninguém que eu conheço aqui na cidade leu Dosto. Nem Nietzsche. Que, de certa forma, roubou a teoria do Super-Homem do velho Dosto. Sacanagem. Mas enfim.

Um belo dia, escrevi um conto que era mais ou menos assim: um rapaz, com a mesma idade que eu, recebe um telefonema de mal gosto. Um trote. E ele tem em casa um daqueles aparelhos identificadores de chamada. O que ele faz? Anota o telefone, liga para o número de informações da companhia telefônica, e pergunta se a atendente poderia lhe fornecer o endereço daquele número. O que ela faz. É de um telefone público – e ainda lhe dá um ponto de referência: uma academia de ginástica a uma rua da casa do rapaz.

Quando o telefone toca novamente, e ele vê que é o mesmo número que havia ligado antes, ao invés de atender a ligação, ele vai correndo ver quem está no orelhão. Da esquina ele consegue ver um senhor se afastando do telefone, como se acabasse de fazer uma ligação. No final do conto, o rapaz mata o tal senhor e vai preso. Ok.

É um conto, certo? Uma história. Mas aí um amigo meu, que mora aqui perto, leu a droga do texto e começou a achar que poderia mesmo ter acontecido. Já que realmente há uma academia de ginástica por aqui e existe também um senhor com as mesmas características que o citado no texto. E ele mora perto da gente.

Eu não sei como diabos isso foi acontecer, mas o tal senhor sumiu. Um dia depois de eu publicar o conto. Como ele mora sozinho, a casa estava fechada e nenhum vizinho sabia seu paradeiro. É um homem bastante estranho, esse senhor. E meu amigo, bom amigo que é, ligou para a polícia, dizendo que eu havia matado o velho. Graças a Deus, a polícia investigou direitinho (coisa difícil de acontecer, ein?) o caso, e conseguiu falar com o homem. Ele havia apenas feito uma viagem.

Mas a coisa havia ficado séria. Eu quase fui preso. E ainda continuavam a me perguntar sobre os outros textos.


Rafael Rodrigues

Sunday, September 10, 2006

Resolvi parar de escrever (Parte 1)

Sim, é isso mesmo que você leu no título. Não vou mais escrever, parei. Este é o meu último texto, minhas últimas palavras escritas para algum público. E estou falando sério.

Isso não deve fazer muita diferença para você. Você já ouviu falar de mim? Não. Então.

Não tenho livros publicados; sequer tenho um conto ou um poema em alguma dessas coletâneas que andam lançando quase todo mês. Sou um escritor de blog, só isso. Escrevo minhas histórias e posto no meu blog. Algumas pessoas lêem, comentam – a maioria não, é claro – e é só. Mas nos últimos tempos algo aconteceu, e minha relação com o blog e a escrita mudou drasticamente.

Começou há uns nove meses, mais ou menos, quando criei meu blog. Se você tem um, sabe que às vezes surgem amizades a partir de comentários de leitores. Além disso, alguns amigos próximos podem visitar seu endereço e ler seus textos. É assim que a coisa funciona. Até aí nada de mais. Se você for um escritor publicado, reconhecido pela crítica, tudo bem. O que você escreve é ficção, não passa disso.

Mas tente ser um escritor de blog. TENTE! Eu não agüento mais as pessoas perguntarem: “Nossa, que história aquela, ein? Quando foi aquilo?” COMO SE TIVESSE ACONTECIDO COMIGO!!! Ora, quer dizer que eu não posso ter criado o maldito texto? Tudo tem que ter acontecido comigo?

No começo o pessoal não perguntava tanto. Até porque eu andava postando uns contos bem bobinhos, narrados em terceira pessoa. Mas aí comecei a publicar alguns contos mais sérios, e bem melhores, modéstia à parte. Alguns deles narrados em primeira pessoa, o que dá um tom mais pessoal à história, óbvio. Pois.

Foi aí que começou a palhaçada das perguntas. E às vezes nem perguntavam assim, na bucha. Vinham cheios de salamaleques, como se eu fosse um coitadinho! Pô, fala sério! Foi uma amiga virtual minha. Ela leu um conto de um rapaz que era traído pela namorada – a história em si é bobinha, pra usar uma palavra já dita, mas como ele foi muito bem escrito, modéstia à parte (de novo), ficou a impressão de que aquilo tinha sido comigo. Ela nem bem acabou de ler o texto, e me mandou um email, perguntando como eu estava, dizendo que havia lido o conto, e querendo saber se minha namorada havia terminado comigo. Pô, fala sério!


Rafael Rodrigues

Monday, September 04, 2006

A vida como ela é

Quando me deu a notícia de que estava grávida, fiquei sem (re)ação. É lugar-comum, mas é verdade. Ou então demonstrei estar chocado, não sei. Deve ter sido isso, pois ela foi logo me dizendo que não precisava assumir nada, que ela cuidaria do bebê sozinha, essas coisas. Você vê isso em novelas e filmes, não precisa eu explicar aqui.

E eu disse que não, não era bem assim. Precisávamos conversar a respeito. Acho que nesse momento, ela pensou que eu fosse propor um aborto. Longe de mim, apesar de eu ser a favor. Mas não iria pedir para ela tirar o meu filho.

Meu filho. Ficamos de resolver isso depois. Nos despedimos daquele encontro da mesma maneira de sempre. Dei-lhe um beijo na testa e ela foi pra casa. Eu entrei novamente no shopping.

Comprei um chope e voltei para a mesa em que estávamos. A vida é mesmo engraçada. Eu sempre busquei na bebida e no cigarro a resolução para os meus problemas e conflitos. Uma espécie de paz temporária. Mas a fumaça que agora aquece meus pulmões e o álcool que em breve fará efeito sob minha consciência, não resolvem absolutamente nada.


Rafael Rodrigues

Saturday, September 02, 2006

Mariana - Parte Final

Num quarto mal iluminado, sentiu recobrar a consciência. Aos poucos, a vista antes embaçada, formou uma imagem, revelou a silhueta de seu algoz. Havia algo de macabramente familiar no rosto coberto do seqüestrador e podia dizer que não parecia mais ser o homem com que encontrou no bar. Quando lhe voltou o rosto teve uma surpresa surreal! Ele não tinha rosto. Sentiu como se não houvesse ainda despertado do sonho; chorava e debatia-se no chão, oprimida pelas cordas que comprimiam seu corpo. O estranho opressor aproximou-se e cochichou em seu ouvido enquanto acariciou seus seios fartos: “Deve ter sacaneado feio com algum homem. Uma vadia de classe alta, hein? Vai ser uma delícia te matar!”. E então o desespero tomou conta dela, seu destino estava selado, iria morrer.

Pulmões esvaziados num grito ensurdecedor e depois escuro, silêncio. Aos poucos abriu os olhos e observou bem ao seu redor. Seu quarto, sua casa. Estaria a salvo? Sua mãe de pronto chegou no quarto, no mínimo perturbada: “O que aconteceu Mariana, que grito foi esse?”, “Não! Nada, mãe, um pesadelo. Desculpe, preciso ir no banheiro agora.”. Dirigiu-se para o toalete e pôs-se a refletir naquele sonho maluco; resolveu ir tomar um banho para por as idéias em ordem.

Na ducha tentou refletir sobre sua vida e o que significaria aquele sonho, mas não tinha prática em refletir. Ser racional não era seu forte, era mais fácil relativisar e justificar que voltar atrás. Tomou o sonho como um aviso e resolveu fazer uma mudança radical em sua vida. Buscaria ser mais comprometida com as pessoas que estivesse e não mentir mais, iria tentar, pelo menos. Também não iria se dar o direito de enganar ninguém, mesmo que virtualmente. E com esse pensamento vestiu seus jeans desbotados, porém grudados ao corpo, sua camisa decotada e uma sandalinha para não sentir-se desconfortável. Saiu de casa pensando que seria a última vez que iria encontrar um desconhecido, seu namoro já tinha dado o que tinha de dar e que mal poderia fazer dessa última vez? Afinal de contas, já havia marcado mesmo.


Eduardo Leite