Wednesday, May 31, 2006

São Jeremias - Parte I

Muros brancos descascados e riscados pela poeira que saia dos rebocos, mangueiras espalhadas num quintal mal planejado, chão de terra batida e poeira em vez de grama. Animais babando encolhidos pelos cantos, ou seriam pessoas? No meio erguia-se não tão austero, mas dominante a casa central de tratamento e os dormitórios do Hospício São Jeremias, o único hospício naquela pequena cidade do interior de Sergipe. “Quem entra lá não sai!” era o que diziam na cidade. O São Jeremias que “deu fim” a tantos no Regime Militar, bastava que alguém conversasse em algum boteco sobre sua opinião não tão a favor da ditadura e dois meses mais tarde acordaria dentro de suas paredes e após umas 3 sessões de choque e vários remédios administrados diariamente ele seria solto no quintal, onde poderia abrigar-se embaixo de alguma mangueira ou pelos chãos da dependência. Chegavam pessoas de todo o país e pouco a pouco o enorme casarão chegou à superpopulação, mas com o fim do Regime, este recebia agora apenas os doentes locais e era um laboratório para estagiários de Psicologia e residentes de Psiquiatria.

Daniel estava no 7º período do curso de Jornalismo e destacava-se na turma, na Universidade Federal de Pernambuco, não tanto por suas notas, mas por suas idéias liberais, por sua noção de liberdade, direitos, por sua busca altruísta de instituir justiça num país onde a maior aspiração de um acadêmico era passar num concurso federal e ganhar R$ 5.000,00 reais trabalhando 6 h por dia até se aposentar aos 50 e comprar uma casa e Porto de Galinhas.

Buscava um furo e passeando pelos arquivos do setor de periódicos da biblioteca, este deparou-se com uma apostila velha e empoeirada no canto da estante. Chamou-o a atenção o fato dela pertencer à sessão médica, alguém a teria deixado por engano naquela estante? Correndo a vista nas primeiras linhas, percebeu o conteúdo histórico introdutor à história de tal hospício que, segundo o autor, um médico, não oferecia estrutura para um real aprendizado e sim um ambiente favorável para se ganhar bem sem muito esforço, ou seja, uma perpetuação de uma situação que permanecia-se imutável há algumas décadas. Um choro isolado, um grito abafado, pensou. Talvez esse fosse seu projeto para a monografia, o projeto quem impulsionaria sua carreira. Juntou sua mochila, pegou sua câmera semi-profissional e tomou um ônibus para Aracaju, de lá tentaria encontrar essa cidade que não se encontrava no mapa.

continua...

Eduardo Leite

Tuesday, May 30, 2006

O Último Dia

*Desenvolvido a partir de "Último Dia" de Paulinho Moska

Dizem que nesse dia, o céu foi invadido por imensas bolas de fogo. A multidão sabia que elas viriam, o jornal anunciará uma semana antes. Mas mesmo assim, muitos entraram em pânico.

Carlos abraçava sua esposa calorosamente, trocava palavras ao pé do ouvido, e dizia que a amava quase a cada minuto. Eles tinham suas desavensas, mas o amor era evidente.

Diego percebeu estar distante de todos seus amigos próximos, e a família não poderia chegar a tempo em sua casa. Permaneceu sentado bem no meio do sofá, olhando para nada, como quem se arrepende.

A polícia teve de conter os arruaceiros, que corriam desesperados pela rua, alguns completamente nus. Incrédulos de que aquele seria seu último e derradeiro dia.

Muitas pessoas, como Laís, gastaram todo seu dinheiro em roupas dentro de um shopping. Era estranho, mas as lojas ainda vendiam, exceto algumas que foram completamente saqueadas.

O Dr. André Pires manteve seus compromissos, reunião das 9h ao meio dia. Não que algum de seus clientes tivesse aparecido.

Roberto caminhava no meio fio da calçada, feliz que finalmente o final dos tempos estava por vir. Ele esperava que após isso, tudo estaria melhor.

Parece que muitos presos escaparam de diversas cadeias, ganharam passe livre para cometer os últimos sortilégios antes do grande final.

Aline chorava trancada em seu quarto. Apenas 14 anos de vida foram dados a ela, e agora, do céu que se tornava negro em plena tarde, o fim era anunciado.

Todos saíram de sua casa para assistir ao belo espetáculo. Trovões eram ouvidos. Causando mais pânico e dor. Frente as suas casas, as pessoas se abraçavam, com lágrimas nos olhos.

A princípio ninguém acreditou que eles estavam vindo em colisão com a Terra. Quando descobriram que era verdade e que vinham em alta velocidade, já era tarde demais.

Os que ficaram em frente a televisão, disseram que muitos presidentes se despediram, com pedindos desculpas. Parece que um canal de teve mostrou os últimos segundos dos famosos, só para o caso de alguma pessoa vazia se interessar.

O céu negro, em plena tarde, pintado com imensas bolas de fogo. Foi o último dia de todos nós. Muitos, enquanto viam aquele belo espetaculo, ainda pensavam o que iriam fazer quando chegasse o último dia de suas vidas...


Thiago Augusto
(21-12-05)

Saturday, May 27, 2006

Obra-prima

À Cássia, que me faz sorrir sempre, mesmo quando não está comigo.

Os autores - também editores - da obra em questão fizeram um trabalho de primeiríssima qualidade. Jamais caiu em minhas mãos obra tão bela e de tamanho valor.

Ela começou a ser desenvolvida há mais de duas décadas, quando os dois autores solitários - um casal - uniram-se para realizar sua concepção.

Começos não são fáceis, e não seria diferente com eles. A obra foi publicada de forma prematura, foram forçados a isso, devido a algumas circunstâncias que nem Deus poderia explicar.

Por conta disso, houve todo um cuidado especial com as primeiras edições. Mas ela foi alvo de várias revisões, talvez uma a cada três meses, não tenho os dados exatos. Nessas ocasiões, eles sempre corrigiam falhas e acrescentavam novidades à nova edição.

O cuidado que tinham - e têm até hoje - com sua obra é um admirável. Depois do primeiro ano - foram quatro edições em doze meses - os autores finalmente se tranquilizaram. A partir dali, as edições seriam anuais. Revistas e ampliadas, sempre.

O tempo passou e eles viram sua obra ganhar vida e transpor barreiras. Todos falavam muito bem dela, e os deixava muito felizes.

Eu só ouvi falar nela quando já estava em sua 19ª edição. Não posso aqui ser insincero e dizer que fui arrebatado por ela assim que soube de sua existência. Estaria mentindo.

Mas me interessei, é claro. Não a ponto de procurá-la de imediato. Isso só foi acontecer três edições depois.

Foi quando a 22ª edição chegou em minhas mãos. E desta vez dediquei maior atenção à sua história. E ela me encantou como nenhuma outra obra fizera antes.

Eu a consegui, depois de muito esforço, faz um ano e meio, mais ou menos. Tenho em minhas mãos a 24ª edição de uma obra-prima única e infinita.

Que não divido com ninguém.



Rafael Rodrigues

Saturday, May 20, 2006

Chico Buarque na TRIP

"Eu fico vendo este pessoal do PSDB e do PFL indignados na TV. Peraí, vamos falar sério, né? Vocês não podem estar tão indignados, surpresos com o nível de corrupção, que não é maior do que foi no governo anterior. Todo mundo sabe como foi conseguida a malfadada reeleição presidencial [do FHC], que é nociva, na Constituição. Todo mundo sabe o que aconteceu, as falcatruas, as tentativas bem-sucedidas de abafar CPIs. Então fica reduzido a quê?"

Chico Buarque, compositor e escritor brasileiro (como se vocês não soubessem), em entrevista à Revista Trip deste mês. Dá pra ler parte da entrevista no site. Na íntegra, só comprando a revista. Vou ver se pego a minha ainda essa semana.

Friday, May 19, 2006

Envelheço Na Cidade

A véspera é sempre algo contundente. Confesso que não queria fazer, amanhã, mais um aniversário. Acrescentar o número 1 em meus Vinte Anos. Se fosse possível um acordo com os astros, um atraso de talvez uns dois ou três meses, um prazo mais esticado, seria de bom grado.

Os anos passam sempre em primeiro de janeiro, é um fato. Mas aqui, dentro de mim, sempre considerei a data do nascimento como um motivo nobre de rever o que aconteceu e mudar de certa forma. O conhecido seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo.
Pena que o tempo é inevitável. não há choro, canção, esperneamento, macumba que faça-o parar conforme meu desejo. Assim de forma veloz e atropelada é que caminho para mais um ano de minha vida, mas um marco em números. Números que talvez eu nem saiba para que servem.

Dentro dos meus sonhos metódicos eu queria um ano onde eu pudesse ajeitar todas as folhas no lugar, rever todos os textos, corrigi-los, riscar os papeis que passaram por mim e não gostei. Acrescentar novas cenas aos amigos que mais amo, arriscar nossas palavras de amor aos meus pares. E só depois disso tudo dizer, faça-se o aniversário, e sair de uma porta secreta os amigos que importam com bexigas e felicidade momentânea estampada em seus sorrisos.

Mas não. A vida passa quando pedidos um pouco mais de calma. E eis que aqui estou. A véspera é sempre algo contundente. Meu coração se enche de nostalgia, há um desejo de provar o novo sabor, e o receio do futuro. Mas a margem de todos os fatos e dentro da vida, me cabe aguardar o tempo de amanhã e vive-lo da melhor forma que posso. Nem que isso soe profético ou seja completamente banal.

É assim que termino minhas últimas palavras com vinte anos de idade. Com palavras simples que só querem dizer o que sinto agora.
Que nos próximos tempos que virão eu consiga enxergar aquilo que não vejo por falta de objetividade, que eu possa construir sempre meu abrigo sem medo de destruí-lo para construir um melhor ainda. Que eu ande sempre devagar, para nunca deixar que meus sentidos percam sua razão e que nunca falte amor que tanto me completa. O resto nós construímos com o tempo indomável e nossa eterna teimosia de sempre querer mais.

Amém.

Thiago Augusto
(19-05-06)

Wednesday, May 17, 2006

Patriotismo

Você iria para a guerra por seu país?

O governo brasileiro vira e mexe nos coloca numa situação delicada, controversa até. Confesso que provavelmente sou tão vocacionado para a política quanto a Carla Perez para a biologia, mas certos acontecimentos realmente não passam despercebidos e perdido em pensamentos tento racionalizar os eventos recentes.

Não é de hoje que os preços de combustível disparam numa P.A. alucinante, mas convenhamos que, devido ao descontentamento de certas mentes pensantes e participantes os cartéis foram reduzidos e há concorrência entre os postos que oferecem de promoções até suquinhos, água, cafezinho para os clientes. Mas continua subindo em detrimento às baixas do dólar, a Petrobrás dar conta de abastecer o país, mesmo assim continua subindo.

Uma das soluções encontradas pelo governo, anos atrás, quando o petróleo estrangeiro subiu às alturas foi a campanha pró-álcool que desenvolveu a tecnologia para utilizar o estrato da cana de açúcar para movimentar os carros, uma tecnologia que causou deterioração precoce dos motores, problemas com a partida pela manhã, em resumo, muita dor de cabeça, mas ajudou a resolver o problema e nos deu uma alternativa para fugir dos preços altos.

Com o fim da Guerra do Golfo, estabilização do preço dos barris, voltamos com os carros a gasolina e os a álcool foram esquecidos, apesar do preço da gasolina ser consideravelmente caro e trazer problemas para a sofrida classe trabalhadora brasileira. Graças às intervenções divinas da tecnologia que faz uso da ciência em prol da humanidade, diferentemente da politicagem que faz uso da arte de ludibriar para reinar sobre a humanidade, foi descoberta uma maneira de utilizar o gás natural para mover os mesmos veículos com um custo mais baixo, apesar do investimento inicial para adaptar o mesmo ao novo combustível.

O gás também trouxe alguns problemas mecânicos, desgaste do motor e etc, mas com a o desenvolvimento da tecnologia, os carros adaptaram-se melhor e, inclusive, carros com a tecnologia de fábrica foram postos à venda. Foi um incentivo tão forte e genial que impulsionou a tecnologia do álcool de volta aos carros, criando os modelos Flex, de flexibilidade, que permite a utilização dos dois combustíveis, álcool e gasolina, combinados ou não, e alguns com as 3 opções. Um paraíso para os brasileiros, principalmente com os esforços da Petrobrás em investir no gasoduto proveniente da Bolívia para o Brasil, parceria que movimentou bastante o Mercosul e nos deu muitas novas perspectivas.

Mas alegria de brasileiro dura pouco, ditado, ou sabedoria do senso comum que mais faz sentido em qualquer realidade imaginável e que um dia pretendo provar por procedimentos empíricos que trata-se de, não uma teoria, mas uma lei tão certa quanto a da gravitação universal, e aconteceu o que todos esperavam, mas não tão cedo, a alta dos preços. Primeiramente com o álcool, o preço do barril de petróleo aumentou fazendo a gasolina aumentar que por sua vez fez o álcool aumentar? É uma lógica um tanto mística para ser entendida racionalmente. Como o álcool aumentou? O álcool vem da cana-de-açúcar, cultivada aqui no nordeste nas estradas que ligam a Paraíba a Pernambuco e sabe-se lá mais onde, até no meu quintal poderia cultivar cana, cana cresce em concreto, cana cresce na corcunda de gado, cana não vem do interior do oceano ou da terra, cana se planta, é um meio renovável, abundante, o que diabos acontecera? Não tivemos muito tempo para tentar aceitar este fato pela fé e logo tivemos um outro baque. O presidente da Bolívia, Evo Morales, orquestrou um exemplo de tirania inspirada nos déspotas mais descarados da história como Hitler, Mussolini, Napoleão, etc e seu governo nacionalizou o gás e Petróleo extraídos e vendidos em seu país, comandando 82% e elevando o custo dos mesmos produzidos lá, resultado? Não vou ousar concluir o raciocínio, subestimando o senso do leitor.

Os mais sensacionalistas mencionam guerra, sussurrando nos ouvidos dos companheiros de bar sobre a possibilidade de um jumento manco atacar uma árvore. O Brasil não é a França onde o jovem vai para a rua reclamar seus direitos, enfrentando as autoridades para fazerem-se ouvidos, o brasileiro foi muito entorpecido pelos colégios, igrejas e universidades que tiraram de nosso alcance a autonomia que deveríamos ter, hoje em dia jamais reproduziríamos o frenesi causado pelo movimento contracultura que incendiou o Woodstock nos EUA onde formou-se, no estado de Nova Iorque, a segunda maior cidade, um aglomerado de mais de meio milhão de pessoas protestanto contra a guerra, contra o puritanismo, em prol de sua ideologia de paz e amor, sexo, drogas e rock’n’roll como nossos intelectuais brigaram durante o governo militar nas ruas, em versos, em músicas em ação mais que em pensamentos por qualquer que seja o motivo, apenas falar fazer-se ouvido, exprimir o grito de insatisfação de uma nação condenada desde sua conquista a ser colônia do resto do mundo, a ser oprimida e sufocada, não só pelos governos das maiores potências do mundo, como também por seus “parceiros” da América do Sul, como, principalmente pela minoria inexpressiva da população que retém a maior parte do capital e esmaga a classe média e baixa como sustentáculo de seus tempos romanos oferecendo pão e circo como faziam há 2000 anos.

Somos uma nação inexpressiva, domada por uma religião maligna e “emburrecedora” que nos deixa numa posição contemplativa e coniventes com a tamanha desonestidade que corrói todos os pilares da nossa nação, desde os governantes, sujos e hipócritas, a mídia manipuladora e tendenciosa, descendo à justiça submetida aos anteriores, podre, caduca, cega e surda, e continua pelas forças armadas, polícias civil, federal, militar, traficantes e o povo que sempre quer levar vantagem em tudo.

Não somos apenas inexpressivos, somos sabotadores de nós mesmos, o nosso inimigo mora na casa ao lado, nos nordestinos que lotam as favelas do sudeste, nos sudestinos que odeiam arbitrariamente os nordestinos e sulistas e por aí vai montando um estratagema bem delineado pelas instituições para conseguir manter seu domínio. Somos todos inimigos e essa desunião nos enfraquece para tomar a decisão de mudar a situação que nos encontramos. Nos falta cultura para isso, ela nos foi tirada pela mídia, pelas escolas, pelo futebol, pelas drogas, por nossos pais, pela religião. Somos órfãos de compatriotas, estamos sós.

Eu não iria à guerra pelo Brasil, iria, talvez, pela Bolívia. Radical, anti-patriota? Jamais! Gostaria de depor esse governo sórdido e arrasar com todos que bebem champanhe às custas dos meus impostos. Estou cansado de pensar que o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo enquanto nosso povo morre por causa da miséria, com tiros de AR-15 de traficantes, as universidades cada vez mais arruinadas... não nasci no país errado, tão pouco na época errada. Os responsáveis pela nossa ruína também não estão errado, eles fazem apenas o que permitimos que eles façam.

Nossa covardia tem custado caro e vai perpetuar nossa amargura por épocas sem sim. Nosso choro contido, grito abafado só serão exorcizados como nesse texto. Libertos, disponibilizados, porém ignorados. Até porque não é difícil escrever um monte de desaforos sobre o que todos estão cansados de escrever e falar, difícil é sair na rua e se fazer ouvido, difícil é enfrentar o guarda na rua que pede propina, difícil é fazer as pazes com o vizinho e de mãos dadas, com uma só mente, um só objetivo, fazer-se realmente ouvido.


Eduardo Leite

Wednesday, May 10, 2006

Os bastidores do subúrbio

Não tinha nem ventilador, o lugar. Apenas alguns poucos móveis. Se bem me lembro: uma cama, uma escrivaninha, um pequeno guarda-roupa, e só. O que, na verdade, não importa. O fato de aquele quarto ser um simples – em todos os sentidos que possam existir – quarto, não diminui a importância do ocorrido dentro dele.

Foi há muito tempo. Algo aconteceu ali, e ninguém jamais soube. Nem eu. Quando finalmente percebi a gravidade do que ocorrera, dois anos haviam se passado. E muita coisa mudou.

Vendemos a velha casa. Meus pais decidiram morar em um apartamento um pouco mais espaçoso que nosso antigo lar. Seria mais seguro e estaríamos mais próximos do centro da cidade. Eles poderiam acordar um pouco mais tarde para irem trabalhar, e eu para estudar.

Sentimos falta de nossa vizinhança, claro. Bem, nem de toda ela. Foi ótimo termos nos afastado de um bar que abriram quatro casas depois da nossa. De lá, ouvíamos músicas horríveis, palavrões piores ainda e, de quinze em quinze dias, a sirene da polícia ou tiros. Às vezes, ambos.

Por sorte nada de grave aconteceu conosco ou com nossos vizinhos. Algumas casas tiveram janelas e paredes invadidas por balas, mas entre gritos e correrias, nenhum ferido. Entre os vizinhos, claro. Lá fora, só Deus sabe o que acontecia. Deus e as vizinhas que nada tinham a fazer, a não ser investigar o ocorrido da noite anterior.

Algum tempo depois, a polícia solicitou – por assim dizer – que o bar encerrasse suas atividades. Na verdade, os donos foram presos por tráfico de drogas.

Eu ficava sabendo de tudo isso de dentro do meu quarto. Quem me contava as notícias era a Rosinha, pois eu não ficava atento ao que acontecia nos bastidores do subúrbio.

Era lá que eu passava a maior parte do meu tempo. Lendo ou tocando violão. Era o que eu gostava de fazer. E continuo fazendo até hoje.

Foi no meu quarto que, um dia, Rosinha e eu (tínhamos então quatorze anos) matamos aquele menino.

O menino que havia em mim.


Rafael Rodrigues

Sunday, May 07, 2006

Poema

A inspiração vem de onde?
Vem da tristeza alegria, do canto da cotovia
Vem do luar do sertão, vem de uma noite fria
vem, olha só quem diria, vem pelo raio e trovão
o beijo dessa paixão.
A inspiração vem de onde?

Transpiração
de Alzira Espíndola
e Itamar Assumpção

Disse um poeta após finalizar seu último poema que aquele foi a obra prima. A volta definitiva as asas da inspiração que ninguem sabe da onde vem. O texto inspirado em uma musa distante, estrangeira de algum trem, que sempre o visitava. Através dos gestos tão suaves da moça, disse o poeta, que as idéias começaram a nascer em sua cabeça, como uma linda música clássica, e ao colocar todas essas idéias no papel tinha criado, então, o já falado poema.
O autor mostrou aos conhecidos sua nova poética, leu em voz alta, entregou uma cópia com carinho a grandiosa musa.

Demorou alguns dias para outro poeta, conhecido como Abílio E. Gonçalves, amigo íntimo do tal citado, ter conhecimento dessa nova poesia do amigo. Estava viajando há dias, quando retornou tinha um bilhete em sua casa com poucas palavras: "Caríssimo, fiz minha obra prima. Venha assim que possível."
Abílio chegou tarde da noite mas atendeu a solicitação, foi até a casa do companheiro com sua empolgação de costume. O amigo quando o recebeu, tirou imediatamente do bolso seu curto poema, convidou-o para ir a sala das visitas, "assim a leitura ficará mais apetitosa".
Quando finalizou após dois minutos a curiosa leitura, Abílio possuia todas as faces do mundo, menos aquela esperada. Sentia os olhos do autor sobre os seus, esperando ansiosamente sua sentença. Resolveu uma segunda leitura, talvez não tivesse visto os detalhes escondidos ali.
Mas não, nada. Não havia nada naquela poesia que não soasse repetido. Ele poderia citar ao menos dez poesia do parceiro que tivessem o mesmo estilo. O uso da linguagem, a forma de louvar a tão falada musa, nada daquilo bateu em seus olhos com o espetáculo único que via o autor.

Se mentisse e o aclamasse como gênio, seria contrário a sua própria fé, de não dar esperanças a poemas medíocres. Se seguisse a linha da sua opinião verdadeira, ofenderia o amigo com poucas palavras, "se isso é sua obra prima, deixe a poesia para seus empregados".
Dobrou a folha novamente, se levantou sem dizer nenhuma palavra. Pensou que talvez com o deslumbramento do amigo, qualquer elogio fictício poderia ser útil. Foi o que fez. Elogiou uma comparação mal feita aos gestos da moça e para o amigo foi o bastante.
Saiu da casa no meio da madrugada, entrou em sua residência, foi ao seu escritório, abriu a pasta com seus próprios textos e os leu de novo. Temia que talvez estivesse tão cego quanto o amigo. Mas com o passar das leituras, caindo em um leve ataque de egocêntrismo, percebeu que na verdade sua escrita era deveras melhor. Naquele dia dormiu feliz.
Se por acaso pensasse no amigo ainda antes do sono, responderia mentalmente com um belo "ele que se dane" e não perderia mais tempo com aquela história. "Francamente, comparar os gestos com as ondas do mar, francamente!".

Thiago Augusto
(15-11-05)

Antigas tradições - Parte Final


Escuro, estrelas no céu, corpo doído, sentidos confusos. Olhei ao redor e continuava no lago, senti meu celular que vibrar, haviam várias chamadas não atendidas do mesmo número que ligara o policial, o que teria acontecido comigo? Estava atordoado e assustei-me quando descobri que já passara 6 horas. Levantei-me e corri como jamais correra na vida. Lágrimas vertiam de meu rosto e não sosseguei até que chegasse no cemitério que estava completamente deserto. Ainda estava isolado pela polícia, mas não percebia sequer uma pessoa. Procurei em vão o coveiro. Nada! Sentei um pouco em algum túmulo e fiquei contemplando o nada por um tempo. Uma brisa soprou, gelada como só se sentia nas montanhas, um onda gelada percorreu todo meu corpo causando calafrios e instantaneamente voltei-me para as árvores acima da colina. Havia alguém espreitando de longe, uma figura que me causou uma forte vertigem. Coloquei a mão no túmulo e tentei sustentar-me em pé, mas as pernas não controlam o súbito tremor. Havia um homem entre as árvores, uma vulto indecifrável entre as sombras. Não via seu rosto, mas por alguém motivo trouxe meu avô à lembrança. Caminhou vagarosamente em minha direção e ao passar por trás de uma das árvores, desapareceu. Fiquei confuso um tempo e lembrei-me do sonho que não saíra de minha cabeça até aquele momento. Rumei para casa.

Chegando lá, notei as luzes acesas. Entrei em casa, minha avó cozinhava tranqüilamente. Após um tempo me percebeu e me deu um olhar de surpresa. Intrigou-se, pois pensava que eu tinha voltado para a cidade aborrecido pelas confusões de família e para não ter que livrar meu irmão de sua encrenca. “Encrenca?” pensei eu, não conseguia processar a informação, tudo ainda estava muito confuso. Um barulho nas escadas, meu irmão aparece mostrando-se, também, surpreso com minha presença.

Lágrimas escorreram de meu rosto, ele estava diante de mim e vivo. Nossa velha avó mandou-o voltar para o castigo, assim que ele subiu, questionei-a do ocorrido e ela contou-me a história toda que perdi. Ele realmente fora no cemitério e tentara cavar o caixão de nosso avô, o coveiro impediu-o e chamou a polícia que o deteve na delegacia. Lá ele deu o meu telefone porque não queria que nossa avó soubesse e, naturalmente, ficara de castigo e bastante chateado comigo.

Sentei um pouco no sofá e refleti em todo o ocorrido. Eu tinha uma dura escolha a fazer e não queria me perder em palavras vazias. Conversei mais um pouco com minha querida velha e depois de seu consentimento subi ao quarto de meu irmão. “Coloque uma roupa para sair comigo! Mudamos seu castigo!”, disse num tom irônico que logo armou seu escudo “Não quero ouvir sermão, nem quero conversar com você.”, “Não precisa conversar, só venha comigo, por favor!”. O “por favor” parecia ter desarmado-o, mas veio, ainda, a contragosto. Levei-o ao lago, não conversamos, não naquele dia, mas conversamos muitas outras vezes naquele mesmo lugar, vendo o sol nascer ou se pôr. Nunca mais voltei à cidade, havia reencontrado minha casa.


Eduardo Leite

Friday, May 05, 2006

O Velório

Logo depois me disseram que, pouco antes de entrar, tive um ataque. Minhas pernas fraquejaram e fui quase carregado para o interior. Eu só me lembro de ir cambaleando até aquela marca, com medo de colocar meus olhos sobre ela.
Quando dei por mim, de olhos bem abertos, percebendo quem estava ao meu redor, vi que estava na frente do caixão. Eu olhava para frente, ao horizonte, mas meus olhos já visualizavam aquela imagem serena logo abaixo de mim.
Com uma coragem triste, meus olhos se deitaram sob ela. Era um vestido azul, antigo, desses de traços medievais. Formado de doces tons monocrômicos, dando a ela um tom de realeza. O cabelo estava mais ondulado do que quando eu conhecera, comprido, quase chegando na cintura. Sob ela, jazia suas mãos enlaçadas, na posição serena de um morto que encontrou o outro mundo sem amargor algum.
Sua face era bela, mesmo sem vida. Os detalhes dos lábios me fizeram lembrar de quantas vezes eu ganhei aquele sorriso. A alvidez branca que cobria seu rosto me entorpeceu de tristeza. Minhas lágrimas se anteciparam, e uma delas caiu em seu colo, produzindo uma gotícula sobre suas vestes.
Deitada na minha frente, imóvel, estava alguém que já chamara de amor. Vendo-a nessa imagem triste, calada, pensei que dessa forma ela fosse igual a garota que conheci em velhos verões.
Mas quando ressurgia a chama das últimas memórias, meu peito se enchia de uma amargura, recordando que a história não fora bem assim.
Ali eu assistia o velório de quem amei, do amor que estava em meu sangue, que protegi com meu corpo e alma. Eu era o irônico paspalhão que via a morta como uma rosa cálida, chorando lágrimas passadas sobre o futuro que se dissipou. Parece-me que os outros pararam para me ver, sendo um desafino daquela gente que sofria calada. Minhas lágrimas eram minha celebração.
Eu te enterrei sobre a chuva de meus gritos, e as lágrimas do meu pesar. Deixei minhas palavras em seu epitáfio como forma de meu último desejo. Os amigos dizem que você ainda caminha inquieta, mas sobre meu estado sitiado, as vestes que uso, meu amontoado de tijolos que chamo de casa, a única coisa que sei é que está morta. E nem qualquer tempestade do mundo trará as flores de volta.

Thiago Augusto
(27-04-06)

Thursday, May 04, 2006

Cenas lamentáveis

Hoje eu torcia pelo Corinthians. Comemorei o gol do Nilmar. Torci para que o time se classificasse para a próxima fase da Taça Libertadores da América, campeonato pelo qual valia o duelo brasileiro e argentino.

Tudo era festa no estádio do Pacaembú, local do jogo, até o River reverter o placar. Para quem não assistiu ao jogo, um resuminho: o time paulista fez um gol no fim do primeiro tempo. Na segunda etapa, o River Plate empatou, virou, e estava a caminho de golear o Corinthians. O placar era de 3 a 1, aos 37 minutos do segundo tempo... [Clique para ler o texto na íntegra no blog Paralelos]

Wednesday, May 03, 2006

E o Josias de Alvarenga?

E vou logo pedindo perdão a algum possível Josias de Alvarenga que por ventura exista e leia este textinho. O nome me veio à mente sem motivo especial, pois nunca conheci indivíduo com essa alcunha.

Estava aqui a refletir sobre as generalizações que às vezes fazemos. Às vezes, nem tanto nós. Mas sim, eles. Os outros.

Por exemplo.

Trocentas vezes já ouvi dizer que Fulano de Tal, o qual todos conhecemos muito bem, é o maior escritor brasileiro de todos os tempos.

Tudo bem. Não sou eu quem vai contestar essa declaração. Ou proclamação. Porque parece que alguém, tal qual Dom Pedro I com a independência, proferiu tais palavras.

É certo que quem tem boca fala o que quer. Como eu, agora, escrevendo isso aqui, do jeito que bem entendo, sobre o que eu bem quero.

E o que digo, certamente muitos já disseram. E você já deve ter pensado. Direi o que direi e não sei exatamente o porquê de dizer. Falta de assunto, talvez.

Como afirmar, declarar, proclamar, que Fulano de Tal é o maior escritor brasileiro de todos os tempos? A não ser que ele tenha sido um gigante de 3 metros de altura, aí tudo bem. Mas não se trata disso, mas sim, de sua obra.

Vai me dizer então que o tal proclamador pesquisou por anos e anos a fio, toda a literatura produzida no Brasil. E não falo de toda literatura produzida, não. Ele pesquisou por todo o país, encontrou, leu, analisou, comparou, todos os escritos literários que foram escritos em terras tupiniquins. Tenham sido eles publicados, ou não.

Tá bem, vá lá, dou um desconto. Que sejam apenas os publicados.

O cara foi lá, leu tudo, analisou e comparou. E não foi só ele. Vários outros fizeram o mesmo, e chegaram a tal conclusão. Na verdade, acho que nem se deram esse trabalho. Seguiram a opinião do primeiro lá.

É por isso que, quando me meto a classificar algumas coisas, enfatizo no “a meu ver”, “na minha opinião”, e variantes.

“‘Crime e castigo’ foi o melhor romance que já li”. Não posso simplesmente afirmar que Dostoievski foi o maior escritor de todos os tempos. Coitado de mim. Não li 0,00000001% do que foi publicado na história da humanidade...

É preciso tomar cuidado com afirmações generalizadas desse tipo. E não vale só para a literatura. “Cicraninha foi a maior cantora de todos os tempos”.

Tanta gente nesse Brasil de meu Deus, e tão poucas oportunidades, será que o Josias de Alvarenga, poetinha lá de, sei lá, Pindamonhangaba, não morreu tentando publicar o livrinho dele? E será que ele não foi o nosso maior poeta de todos os tempos?

Nunca saberemos.


Rafael Rodrigues

Tuesday, May 02, 2006

Antigas tradições - Parte II

Levantei logo cedo, nem sinal do moleque. Fui para as compras e resolvi dar uma passada num lugar que costumávamos visitar com meu avô, uma loja de especiarias que ficava bem no centro da feira de alimentos. Com dificuldade encontrei a ladeira que levava ao beco onde o velho William sobrevivia com suas ervas e conselhos. Era um beco escuro e vazio como todo lugar macabro parecia ser, entrei um pouco hesitante.

O senhor William era o mesmo, nenhuma ruga a mais, nenhuma a menos. O mesmo vendedor de ervas metido a bruxo de sempre. Memórias afloraram em minha mente de quando eu era criança e meu avô ia comigo e meu irmão no colo comprar algum tempero para o jantar ou algum ingrediente para comemorar o Equinócio. Aproximei-me do velho com certa cautela, achei que não me reconheceria, mas ele logo deu um sorriso e chamou-me pelo nome.

“Como vai sr Donant? Faz um bom tempo que não venho por aqui.”
“Claro, claro. Agora você mora na cidade para sustentar sua vó e seu irmão, eu entendo perfeitamente. Me visitando tão de surpresa, provavelmente você está em busca de seu irmão, acertei?
“É, ele anda com umas idéias tortas na cabeça, leva muito a sério as histórias de nosso avô e sumiu desde ontem.”
“O Don era muito sábio, não vivia de fantasias! E seu irmão andou me perguntando sobre alguns ingredientes para um certo ritual que diz ele ter descoberto fuçando as coisas de seu avô. Se quer um conselho, vá ao lago norte, é o seu lugar favorito. É um ritual perigoso e ”

Claro, costumávamos ir ao lago norte com nosso avô para fazer os rituais de Equinócio, não conseguia entender por que não tinha ido lá antes, era do outro lado da cidade, demoraria cerca de meia hora e ele estava sumido há muito tempo. Me pus a correr.

Um dos trechos que davam para o lago era muito bonito, cheio de árvores e de animais que conviviam harmoniosamente com os homens, não se aproximavam de nós, nem nós deles. Assim era a vida no campo, sossegada, ninguém incomodava ninguém, não se sabia de assaltos, roubos, assassinatos, mortes violentas. Nada. Olhei em volta e nada vi, procurei por meu irmão, gritei, chamei, nada. Sentei na beira do lado e atirei pedras como costumava fazer em minha infância, quando não tinha irmão e passava as tardes sozinho. Comecei a olhar aquele lugar, não olhar de passar os olhos, mas perceber os detalhes, reparar como o pôr-do-sol era bonito e parecia tocar as montanhas. Senti uma angústia no peito e chorei pelo meu avô que morrera tão cedo, deixando meu irmão e eu órfãos. Chorei um choro contido por muito tempo e chorei pelo meu irmão, quis ser seu pai, seu avô, menos seu irmão, seu amigo. Chorei até que um barulho me interrompeu, meu celular tocou.

Atendi o celular, era a polícia local dizendo ter encontrado meu irmão e que eu deveria dirigir-me ao cemitério com urgência. Estava nauseado demais para poder me levantar, como não pensei no cemitério? Ele queria ressucitar meu avô, nada mais óbvio que o cemitério. Mas as forças não vinham. O pensamento que eu reprimia dentro de mim veio à tona, os rituais de ressurreição envolviam sangue, sangue era a energia vital, teria ele sangrado até a morte? Não conseguia afastar esse pensamento ruim e vomitei muito, até que consegui forças para ir até o local sugerido pelo delegado.

Cheguei lá, havia uma multidão que os policiais continham com a faixa e muitos conhecidos viravam o rosto de meu olhar, meu nervosismo aumentou e não conseguia lembrar de nada que não fosse os policiais me segurando enquanto eu gritava e soluçava querendo passar. O delegado pediu que eu mantesse a calma e deixou-me passar até o local onde havia um corpo estendido no chão e coberto por um pano. Corri até lá e me abaixei, lentamente descobri seu rosto. Seus olhos entreabertos estavam semi-cerrados, tristes, decepcionados, seus pulsos estavam cortados e não contive o desespero. A multidão dispersou-se com medo de meus urros, o delegado aproximou-se depois de um tempo me mostrando o papel que havia achado em suas mãos. Era mesmo o ritual que envolvia sangue, mas não havia ninguém lá com ele parar cessar o sangramento e ele morrera só, ao lado do túmulo de meu avô.

Passados uns 10 min, minha avô chegou. Ele estava vivo e aproximou-se do corpo, tirou o pano que cobria, virou-se para mim e disse: “A culpa é sua, você o abandonou e agora você o trará de volta e fará sentir a dor que estou sentindo por ele dar a vida por mim? A culpa é toda sua!”


Continua...

Eduardo Leite