Sunday, May 07, 2006

Antigas tradições - Parte Final


Escuro, estrelas no céu, corpo doído, sentidos confusos. Olhei ao redor e continuava no lago, senti meu celular que vibrar, haviam várias chamadas não atendidas do mesmo número que ligara o policial, o que teria acontecido comigo? Estava atordoado e assustei-me quando descobri que já passara 6 horas. Levantei-me e corri como jamais correra na vida. Lágrimas vertiam de meu rosto e não sosseguei até que chegasse no cemitério que estava completamente deserto. Ainda estava isolado pela polícia, mas não percebia sequer uma pessoa. Procurei em vão o coveiro. Nada! Sentei um pouco em algum túmulo e fiquei contemplando o nada por um tempo. Uma brisa soprou, gelada como só se sentia nas montanhas, um onda gelada percorreu todo meu corpo causando calafrios e instantaneamente voltei-me para as árvores acima da colina. Havia alguém espreitando de longe, uma figura que me causou uma forte vertigem. Coloquei a mão no túmulo e tentei sustentar-me em pé, mas as pernas não controlam o súbito tremor. Havia um homem entre as árvores, uma vulto indecifrável entre as sombras. Não via seu rosto, mas por alguém motivo trouxe meu avô à lembrança. Caminhou vagarosamente em minha direção e ao passar por trás de uma das árvores, desapareceu. Fiquei confuso um tempo e lembrei-me do sonho que não saíra de minha cabeça até aquele momento. Rumei para casa.

Chegando lá, notei as luzes acesas. Entrei em casa, minha avó cozinhava tranqüilamente. Após um tempo me percebeu e me deu um olhar de surpresa. Intrigou-se, pois pensava que eu tinha voltado para a cidade aborrecido pelas confusões de família e para não ter que livrar meu irmão de sua encrenca. “Encrenca?” pensei eu, não conseguia processar a informação, tudo ainda estava muito confuso. Um barulho nas escadas, meu irmão aparece mostrando-se, também, surpreso com minha presença.

Lágrimas escorreram de meu rosto, ele estava diante de mim e vivo. Nossa velha avó mandou-o voltar para o castigo, assim que ele subiu, questionei-a do ocorrido e ela contou-me a história toda que perdi. Ele realmente fora no cemitério e tentara cavar o caixão de nosso avô, o coveiro impediu-o e chamou a polícia que o deteve na delegacia. Lá ele deu o meu telefone porque não queria que nossa avó soubesse e, naturalmente, ficara de castigo e bastante chateado comigo.

Sentei um pouco no sofá e refleti em todo o ocorrido. Eu tinha uma dura escolha a fazer e não queria me perder em palavras vazias. Conversei mais um pouco com minha querida velha e depois de seu consentimento subi ao quarto de meu irmão. “Coloque uma roupa para sair comigo! Mudamos seu castigo!”, disse num tom irônico que logo armou seu escudo “Não quero ouvir sermão, nem quero conversar com você.”, “Não precisa conversar, só venha comigo, por favor!”. O “por favor” parecia ter desarmado-o, mas veio, ainda, a contragosto. Levei-o ao lago, não conversamos, não naquele dia, mas conversamos muitas outras vezes naquele mesmo lugar, vendo o sol nascer ou se pôr. Nunca mais voltei à cidade, havia reencontrado minha casa.


Eduardo Leite

1 Comments:

At Friday, May 19, 2006 4:55:00 PM , Blogger 3 Vozes said...

Diferente... Gostei :) Abs, Rafael

 

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