Friday, May 05, 2006

O Velório

Logo depois me disseram que, pouco antes de entrar, tive um ataque. Minhas pernas fraquejaram e fui quase carregado para o interior. Eu só me lembro de ir cambaleando até aquela marca, com medo de colocar meus olhos sobre ela.
Quando dei por mim, de olhos bem abertos, percebendo quem estava ao meu redor, vi que estava na frente do caixão. Eu olhava para frente, ao horizonte, mas meus olhos já visualizavam aquela imagem serena logo abaixo de mim.
Com uma coragem triste, meus olhos se deitaram sob ela. Era um vestido azul, antigo, desses de traços medievais. Formado de doces tons monocrômicos, dando a ela um tom de realeza. O cabelo estava mais ondulado do que quando eu conhecera, comprido, quase chegando na cintura. Sob ela, jazia suas mãos enlaçadas, na posição serena de um morto que encontrou o outro mundo sem amargor algum.
Sua face era bela, mesmo sem vida. Os detalhes dos lábios me fizeram lembrar de quantas vezes eu ganhei aquele sorriso. A alvidez branca que cobria seu rosto me entorpeceu de tristeza. Minhas lágrimas se anteciparam, e uma delas caiu em seu colo, produzindo uma gotícula sobre suas vestes.
Deitada na minha frente, imóvel, estava alguém que já chamara de amor. Vendo-a nessa imagem triste, calada, pensei que dessa forma ela fosse igual a garota que conheci em velhos verões.
Mas quando ressurgia a chama das últimas memórias, meu peito se enchia de uma amargura, recordando que a história não fora bem assim.
Ali eu assistia o velório de quem amei, do amor que estava em meu sangue, que protegi com meu corpo e alma. Eu era o irônico paspalhão que via a morta como uma rosa cálida, chorando lágrimas passadas sobre o futuro que se dissipou. Parece-me que os outros pararam para me ver, sendo um desafino daquela gente que sofria calada. Minhas lágrimas eram minha celebração.
Eu te enterrei sobre a chuva de meus gritos, e as lágrimas do meu pesar. Deixei minhas palavras em seu epitáfio como forma de meu último desejo. Os amigos dizem que você ainda caminha inquieta, mas sobre meu estado sitiado, as vestes que uso, meu amontoado de tijolos que chamo de casa, a única coisa que sei é que está morta. E nem qualquer tempestade do mundo trará as flores de volta.

Thiago Augusto
(27-04-06)

1 Comments:

At Sunday, May 07, 2006 10:26:00 AM , Blogger 3 Vozes said...

Maldito Thiago, novamento antecipando minhas futuras aspirações ;P~
parabéns cara, muito manero =)~

Dudu

 

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