Saturday, April 29, 2006

Antigas tradições - Parte I

Era uma tarde como qualquer outra no fim do outono: fria, nublada e triste. A floresta ficava linda em dias assim, coberta com uma rala névoa que quase tocava as copas dos pinheiros. Eram 3 da tarde, mas parecia ser umas 7, perto do anoitecer, tão cinza estava o dia, ou seriam os olhos saudosos de meu irmão?

- Fred, o que você está fazendo no meio da mata?
- O que te parece Rick?

Meu irmão, apesar da pouca idade, tinha um semblante pesado como o tamanho de seu fardo e uma força de vontade maior do que parecia caber nos seus 12 anos.

- Você está treinando magia do século XVIII, inventaram algo chamado tecnologia nos últimos... deixa eu ver 150 anos?
- Não me importo de treinar o que nosso avô nos ensinou, assim eu não esqueço dele como você – disse com os olhos marejados.

Aproximei-me dele que quando percebeu virou-se contra mim em posição de ataque, estava pronto para manipular os ventos, mas nem precisei do pentagrama que possuía no pescoço, apenas continuei andando até que por fim me abraçou soluçando.

- Também estou com saudades.

As coisas estavam difíceis, por isso eu havia saído de nossa pequena propriedade no País de Gales e me mudado para Liverpool, na Inglaterra. Precisava sustentar minha velha avó e meu irmão que não quiseram vir comigo e manter a tradição de lutar por suas terras assim como fizera nosso avô até que não lhe restassem mais forças para lutar pela família, agora eu fazia isso, de longe. Talvez por não querer enfrentar a morte da pessoa mais importante de minha vida, meu tutor, meu pai, talvez por querer renegar nosso parentesco druida e simplesmente deixar o mundo moderno me possuir. Apesar de não saber ao certo, tomava conta de meu irmão como amigo, não como pai ou irmão e de minha velha avó como tudo de mais valioso que possuía.

- Então os dois já se encontraram, você está chorando Fred? – perguntou docemente a senhora McFire.
- É vó, ele ficou molenga sem mim aqui e tava morrendo de saudades. – disse eu em tom provocante.
- Saudades o caralho, esse escroto me bateu. – disse já rindo o fedelho.

Entramos e nos pomos a comer. A casa continuava a mesma, minha vó continuava cozinhando à lenha, mesmo com as libras que enviara para a compra de um fogão. Dizia que a comida ficava mais gostosa e suas poções tinham de ser feitas com tudo que é da natureza. Meu irmão aderira à Internet e estava lá sempre que podia, já que o vizinho mais próximo encontrava-se a 4 km. Inclusive minha pressa em retornar a vê-los surgiu de um e-mail enviado a mim por ele com um ritual bastante estranho que falava sobre a magia de invocação aos mortos. O gnosticismo ao qual pertencíamos era muito voltado à natureza, quase como uma religião indígena, mas menos comercial que a wicca e derivados. Tampouco saíamos do padrão de magias, a invocação aos mortos eram feitas pelos mais velhos em tempos de desespero e não da forma descrita ali. No começo pensei em algo encontrado na internet, mas depois percebi todos os elementos utilizáveis, as palavras, aquilo não era um ritual de invocação, era de ressurreição.

Após o jantar fui pro velho quarto que dividíamos e perguntei onde ele tinha encontrado aquilo.

- Rick, não importa onde encontrei, sei que isso tem tudo pra dar certo, podemos trazer nosso avô de volta e aí você vai poder voltar a morar conosco e tudo vai voltar a ser como era.
- Fred, eu sei que você deve estar saudoso e triste pela falta do nosso avô, mas isso é proibido, ninguém ressuscita os mortos, respeitamos o ciclo natural das coisas, todos que nascem um dia têm de morrer, é triste, mas você precisa aceitar isso! Além do mais você não acredita mesmo nessa bobagem de magia. É tudo indução psicológica.

Ele levantou-se, chorando de novo e berrou que eu não entendia, em galês. Nossa avó apareceu na porta, mas o Fred já havia sumido. Resolvi não contar a história para ela, apenas dormi para ir no outro dia comprar umas coisas para casa logo cedo, o Fred conhecia muito bem a floresta e no outro dia apareceria com certeza.

continua...

Eduardo Leite

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