Monday, October 30, 2006

Talk to the devil - Parte I

Era a 9ª vez na semana que se embreagava, mas esta noite era especial. Neste dia fazia 1 mês que sua amada esposa havia falecido embora sentisse a mesma dor do dia de sua morte, ou pior. Cada dia que findava levava consigo o pouco que restara de sua sanidade.

Estava andando em círculos, passara pelo mesmo mercadinho a terceira vez e decidiu que era hora de visitá-la mais uma vez, reviver o passado e reabrir o corte que tão cedo não cicatrizaria.

“Mauro Dantas, Romualdo Sirqueira, Diana Frazão, Davi Limeira” ia repassando mentamente sem precisar olhar para as lápides, conhecia o caminho de cor, mesmo mal iluminado. Parecia andar sem rumo, mas mentalmente sabia quantos passos faltavam para reencontrar seu amor, ou o que um dia o fora.

Parado, finalmente, em frente ao atual lar de Larissa, lembrou-se do fatídico dia em que ela morreu, duas vezes. Descobriu, nesse dia, que sua esposa havia sido assassinada. Morta pelo amante. Não pôde odiá-la. Gostaria de odiá-la, de deixar tudo pra trás e aproveitar-se do seguro de vida, única lembrança boa deixada pela esposa, viajando pelo caribe. Talvez conhecendo algumas mexicanas em Cancun, mas não conseguia, sentia-se um adúltero, tal qual a falecida. Achava-se um idiota e dificilmente encontraria alguém que o contrariasse nesse pensamento. Caiu em prantos.

Nelson conseguiu, com dificuldade, erguer-se. Respirou fundo e viu-se cego de ira. Levantou seus braços aos céus e bradou com todas as forças contidas até o presente. Cuspiu, vomitou as palavras, desabafou para o céu estrelado, intocável, imaculado, lindo, onde jamais Larissa poderia estar. “DEUS! POR QUE TIRASTE TUDO DE MIM? NÃO BASTAVA O AMOR DE MINHA VIDA E TAMBÉM TIRA MINHA RAZÃO DE VIVER? MALDITO SEJAS!”. Desmoronou e desatou a chorar de novo.

Silêncio. Será que alguém o escutara. Seus nervos ficaram a mil junto com seus batimentos cardíacos. Quando conseguiu acalmar-se, conseguiu distinguir uns sons distantes, um barulho de sapatos chegando mais perto. “É o coveiro!”, sussurrou Nelson para si mesmo, e escondeu-se o mais rápido possível por trás do jazigo de sua mulher.

Um assobio desleixado e uma silhueta imponente aproximavam-se de seu esconderijo. Encolheu-se mais ainda. O homem parou em frente ao jazigo. Alto, esbelto, de terno e sapatos caríssimos. Do nada puxou uma cadeira e sentou-se de forma elegante. Sua atenção foi inconstavelmente seqüestrada por este estranho. Quem seria ele? E o que queria ali àquela hora?


Continua...


Eduardo Leite

O que será?

Já estou aqui há um bom tempo. Não anos, meses ou dias. Horas. Duas. Talvez um pouco mais. Em meu pulso há um relógio. Mas não me preocupei em saber qual era a posição dos ponteiros quando cheguei.

E a exatidão não importa, a bem da verdade. Importa é que aqui estou há pouco mais, pouco menos, de duas horas.

É uma praia. Estou sentado na areia, de frente para o mar. Que está tranqüilo. E eu também. Ao menos aparento. Ou me esforço para aparentar.

E aos poucos acabo mesmo ficando mais calmo.

São 8 e 47 da noite. Saí de casa avisando que não teria hora para voltar. Todos achando normal eu sair para beber e tentar a sorte com mulheres em algum bar à beira da praia. Ou quase todos. Minha mãe e minhas tias riram da brincadeira, mas no fundo se perguntavam se eu estava falando sério. Não queriam que o queridinho delas fosse igual aos homens que elas conhecem e convivem há tantos anos. Mas até que não seria uma má idéia. Acontece que prefiro ficar aqui mesmo, sentado, sentindo a brisa do mar e o cheiro de água salgada invadir minhas narinas.

E observando o esvoaçar da fumaça dos meus cigarros. Ajuda a controlar o nervosismo.

Não queria prolongar minha estadia aqui. Soube em meados de novembro que passaríamos as férias em nossa casa na praia. A família toda e alguns amigos. Ela não poderia vir por causa do trabalho. Isso foi antes de termos a tal notícia, em dezembro. O verdadeiro motivo para ela não ter vindo.

Preciso ir embora. Não consigo mais guardar isso comigo. E não posso dividir a notícia com ninguém, pois não há nada certo ainda. Pode ser que não se concretize. Enfim, daqui para o fim da semana invento alguma boa desculpa e volto para casa. Afinal, sou o rei das desculpas.

Tenho pra tudo. Para não ir ao clube no fim de semana, para não ir ao futebol com o pessoal do trabalho, para justificar uma sumida repentina. Tenho até uma desculpa pronta para o caso de precisar matar alguém. Um homem não pode matar alguém sem ter uma boa desculpa. Por isso os serial killers nos parecem tão idiotas. Porque são pegos pela polícia e nada dizem quando aparecem no noticiário e um jornalista pergunta “por que você fez isso?”. Comigo não seria assim. Eu daria uma boa resposta para aquele microfone na mão. Ao menos não me considerariam um idiota. Idiota, sim, seria aquele que, ao ver minha declaração na tevê, me procuraria na cadeia para escrever minha biografia.

Mas não sei quem poderia matar. São tantas pessoas, tantas opções, tantos motivos, que fica difícil escolher.

E aqui estou eu, olhando para o mar tranqüilo em minha frente. Vendo as luzes da cidade no horizonte. Muitos prédios. E pessoas dentro dele fazendo sabe-se lá o quê.

O movimento das ondas, o vagaroso vai e vem. Lembro-me de uma música que diz “como uma onda no mar”. Meu problema seria como uma onda no mar? Ele veio e vai embora? E se for embora, e se é como uma onda, ele voltará de novo?

Ao vir para cá, deixei duas pessoas. Na verdade uma, com outra dentro dela. Prometi voltar. Mas se eu voltar, o que será?

O que será?


Rafael Rodrigues

Friday, October 27, 2006

Percepções

I

Do tempo que passa, percebemos que tudo contem um aprendizado, algo a se ganhar. Seguindo no passo calmo de cada dia, aprendemos a bela sabedoria de fingir.

Dizer amor como bom dia. Parecer revolucionário erguendo o dedo em riste, dizendo palavras mortíferas.

O mal do aprender é descobrir que, mesmo de coração, podemos repetir os passos indefinidamente.

Usar a mesma declaração de amor para ter uma estranha em seus braços. Dizer que tudo está bem, obrigado, quando chove e você esqueceu o guarda chuva.


II


Contam os relatos que aquele famoso pintor, autor do quadro mais famoso do mundo, o fez por encomenda do rei.

Foi pintando pouco a pouco, a cada manhã de mau humor. Pincelando de mau gosto, tendo plena consciência que o rei aceitaria qualquer quadro, desde que fosse chamado de arte.

Dias depois de concluído, foi aclamado como gênio pela corte. A pintura foi considerada revolução, motivo o qual o rei fez uma festa.

Todos ficaram com inveja daquela pintura, que, nas palavras do rei, era um reflexo perfeito da brilhante alma e do brilhante coração daquele pintor.


Quem diria...

III


Olhava o autor sua folha em branco. Piscava-lhe a consciência sabendo que deveria escrever naquela ausência mais uma crônica para o jornal. Tentou e tentou, sem sucesso.

Cinco folhas quase em branco já estavam rasgadas no lixo, quando resolveu começar de novo. Sabia muito bem de seu ofício, anos sendo um conhecedor das palavras, certamente poderia guiá-las sem muito custo.

Porém faltava-lhe naquelas palavras sua alma. Naquele dia ela não pulsava em êxtase com uma idéia curiosa, nenhuma prosa inovadora ou qualquer bobagem de uma crônica metalingüística falando sobre a dificuldade de escrever.

Lembrou-se do amigo de infância por um momento. Pensou em escrever sobre seus tempos áureos. Mas tudo parecia um velho exercício. Decidiu não escrever nada.

Quando o jornal ligou mais tarde, foi exatamente o que disse. “Não produzirei nada hoje, tudo sairia automático. Sem inspiração, sem textos”.

Ao abrir o jornal, no dia seguinte, encontrou uma reprise. E descobriu na mesma tarde que seria despedido no final do mês.


IV

Foi triste o que aconteceu com os dois. Eu que assisti tudo à distância, poderia afirmar que iam bem. Mas ao encontrá-la sozinha naquele supermercado, descobri o contrário.

A marca da aliança ainda era visível, traços que demoram a sumir. Mas achei que ela estava bem. A convidei para um café, para ouvir os detalhes.

Ela disse que poderia aturar quase tudo, mas de forma alguma poderia fingir que aquele amor não se corroia aos poucos. Os vícios o invadiam como uma lenta parada cardíaca. O amor começava a agonizar.

Quando quase morto, tomou a atitude que achava correta: lhe disse a verdade. O amor já estava morto, mas ainda a vida poderia trazer a ambos novos ares da manhã.

Por um lado, era deveras triste. Por outro, ela parecia contente. Não pelo fim, mas por justamente não ser uma mentirosa para si própria.

Ela poderia aturar quase tudo, menos a mentira diante de seus olhos.


Thiago Augusto
09 de Março de 2006

Monday, October 23, 2006

Pergunte ao pó

Arturo Bandini é um jovem americano descendente de italianos que mora em Los Angeles num quarto de hotel simples, muito simples, e que não tem um tostão no bolso.

"Uma noite, eu estava sentado na cama do meu quarto de hotel, em Bunker Hill, bem no meio de Los Angeles. Era uma noite importante na minha vida, porque eu precisava tomar uma decisão quanto ao hotel. Ou eu pagava ou eu saía: era o que dizia o bilhete, o bilhete que a senhoria havia colocado debaixo da minha porta. Um grande problema, que merecia atenção aguda. Eu o resolvi apagando a luz e indo para a cama."

O trecho acima entre aspas é o primeiro parágrafo do romance "Pergunte ao pó" (José Olympio, 208 págs.), do escritor americano John Fante (1909-1983). É complicado falar de um livro tão importante e tão vibrante. "Pergunte ao pó" é venerado por milhares de leitores em todo o mundo. Um de seus admiradores mais famosos é o também escritor Charles Bukowski (1920-1994). Ele escreveu, em 1980, um prefácio para o livro, que faria parte das edições publicadas a partir daquele ano. Ele está presente na nova edição que tenho em mãos, a 6ª, e quase me fez chorar. Resolvi então reproduzir algumas linhas escritas por Bukowski:

"Então, um dia, puxei um livro e o abri, e lá estava. Fiquei parado de pé por um momento, lendo. Como um homem que encontrara ouro no lixão da cidade, levei o livro para uma mesa. As linhas rolavam facilmente através da página, havia um fluxo. Cada linha tinha sua própria energia e era seguida por outra como ela. A própria substância de cada linha dava uma forma à página, uma sensação de algo entalhado ali. E aqui, finalmente, estava um homem que não tinha medo da emoção. O humor e a dor entrelaçados a uma soberba simplicidade. O começo daquele livro foi um milagre arrebatador e enorme para mim."

Mas, como eu dizia, Arturo Bandini vive em Los Angeles, para onde se mudou com o objetivo de tornar-se um grande escritor (isso eu não tinha dito).

Em suas andanças pela cidade empoeirada (em várias passagens Bandini diz que tudo está coberto por pó), ele conhece Camilla Lopez, uma bela mexicana, garçonete de um bar. Seu primeiro contato com ela não é lá muito amigável. Ela lhe serve um café, que "era um café muito ruim". E Bandini, que não tem papas na língua, termina por ofender Camilla. E ela a ele. Isso é uma constante em seus encontros. Sim, porque eles se encontram várias vezes. Bandini passa a ir ao bar com alguma freqüência, apenas para ver - e ofender - Camilla.

As ofensas quase sempre são impensadas. Resultado do temperamento tempestuoso do aspirante a escritor. E essas ofensas sempre são motivos de arrependimento. Bandini ama Camilla, e tem raiva disso. E essa raiva é o que o faz destratá-la. Ele pensa ser superior à mexicana. Mas, no fundo, sabe que ambos são iguais; o sobrenome "não-americano", a origem pobre, o preconceito que eles enfrentam. O romance se passa na década de 30. Se ainda hoje existe preconceito em relação aos latino-americanos nos EUA, imagine naquela época? Bandini só foi aceito no hotel depois de muito insistir, e de mostrar um exemplar da revista que havia publicado um conto seu, "O cachorrinho riu". Segundo ele, "uma história que você não consegue parar de ler, e não era sobre um cachorro: uma história inteligente, de gritante poesia." Pode-se ver que a modéstia não é o forte de Arturo Bandini.

Na verdade, Bandini é atormentado pelo fantasma do que ele quer ser, que contrasta com o homem que ele é. Quer ser um escritor rico e famoso, mas tudo o que tem são algumas poucas roupas velhas, uma máquina de escrever e um único conto publicado em uma revista. Ninguém o conhece, ninguém à sua volta se interessa por sua carreira literária. Bandini quer amar muitas mulheres, mas tem medo delas. Tem medo de Camilla, tem medo de Vera Rivken (uma misteriosa mulher com quem tem um “caso”), e até de uma prostituta que lhe oferece seus serviços.

Arturo resolve escrever uma carta ao editor da revista que publicara “O cachorrinho riu”, contando seus problemas e suas angústias. Para sua sorte, o editor publica sua carta, retirando apenas a saudação e o final dela, como se fosse um conto.

“Caro sr. Bandini: Com seu consentimento vou tirar a saudação e o final de sua longa carta e publicá-la como um conto em minha revista. Parece-me que o senhor fez um belo trabalho aqui. Acho que ‘As colinas distantes perdidas’ daria um excelente título. Meu cheque está em anexo. Sinceramente, J.C. Hackmuth”.

Depois disso é que ele conhece Vera. E ela desaparece da vida de Bandini da mesma forma que apareceu, muito rapidamente. Mas ela é a responsável pela sua grande virada como escritor: Bandini escreve um romance sobre a vida de Vera Rivken. Que é aceito e publicado por Hackmuth. O leitor precisa ter cuidado ao chegar nessa parte do livro. Pois pode correr o risco de comemorar o contrato de Bandini como se estivesse comemorando um título de copa do mundo.

“O milagre aconteceu. Aconteceu assim: eu estava de pé à janela do meu quarto, observando um percevejo que rastejava ao longo do peitoril. Eram três e quinze de uma tarde de quinta-feira. Ouvi baterem à porta. Abri e lá estava ele, um estafeta dos telégrafos. Assinei o recibo, sentei-me na cama e pensei se o vinho finalmente acabara com o coração do Velho. O telegrama dizia: seu livro aceito enviando contrato hoje. Hackmuth. Era tudo. Deixei o papel flutuar até o tapete. Fiquei sentado ali. Então abaixei-me até o chão e comecei a beijar o telegrama. Rastejei para baixo da cama e simplesmente fiquei ali. Não precisava mais da luz do sol. Nem da terra, nem do céu. Simplesmente fiquei ali, feliz de morrer. Nada mais podia acontecer a mim. Minha vida havia terminado.”

Mas não, não havia terminado. “Arturo Bandini, o romancista. Com renda própria, feita escrevendo contos”, não se sentia completo. Camilla, a mulher que ele tanto desejava, amava outro homem. Um homem estranho, doente e que não a amava. Ou amava? Bandini tenta, a todo custo, trazer Camilla para perto de si. Mas não é fácil conquistar o amor de uma mulher. Ainda mais quando ela ama um outro homem.

Passei muito tempo querendo ler “Pergunte ao pó”. A vontade veio quando li um trecho do prefácio de Bukowski. Por uma série de motivos, não pude lê-lo na época. Foi até melhor assim. O romance é impressionante, em todos os sentidos. O jovem que eu era há 4 ou 5 anos talvez não estivesse preparado para ele. Mas agora sei e entendo porque “Pergunte ao pó” é um livro tão querido e tão importante, e continua influenciando e emocionando seus leitores até os dias de hoje.


Rafael Rodrigues

Wednesday, October 18, 2006

Pulsos

Não era afiada. Mas sua ponta fora o bastante para fazer sangue escorrer. Meus braços quase vermelhos ardiam nesse momento. Sempre gostei dessa coloração.

Minha cabeça latejava como se meus sentidos tivessem se duplicado. Achei que tinha perdido meu toque e minha humanidade. Mas meu sangue ainda estava lá.

Não foi um suicídio. Eu estava vivo até demais. Mas conforme fui passando cada etapa de minha vida, fui me prendendo em espinhos, perdendo minha humanidade.

Perdi primeiro a necessidade de atrair as pessoas. Depois se foi minha compaixão. E por fim achei que perdi o toque de minhas palavras. Não conseguia mas abrir diálogo com ninguém. Perdi minha arma sedutora. As pessoas paravam para conversar comigo e eu as despachava num piscar de olhos. Minhas palavras gaguejavam mesmo soando articuladas.

Quando lembrava de antigamente, sempre o via com luzes. Meu presente tinha perdido suas pontes. Eu visualizava só ilhas solitárias de pessoas. Me faltava as linhas que as ligavam.

Desesperado procurei qualquer forma que pudesse me mostrar que ainda havia vida em mim. E aprofundei em minhas carnes.

Sentindo meu corpo arder naquele dia, meu coração disparar, percebi que ainda havia uma essência em mim. Provei meu próprio sangue e percebi como odiava seu gosto.

Sentei me e comecei a escrever essas palavras, o papel se manchava com meu próprio veneno.

Thiago Augusto

7 de Setembro de 2005

Friday, October 13, 2006

Duzentas*

Duzentos. Cinquenta vezes quatro. Ou quatro vezes cinquenta. A ordem dos fatores não altera o produto. Depende.

E aí cem vezes dois. Ou duas vezes cem. Duzentos vezes um, e vice-versa. Mas não acabou.

Quarenta vezes cinco, cinco vezes quarenta. Acabou?

Duzentos. Duzentas! Eu contei: duzentas.

Duzentas vezes eu disse "eu te amo", só para você. Duzentas vezes.

Não foram duzentos dias, ou duzentos meses. Duzentos anos seria impossível, duzentos meses não foi possível. Mas também não foram apenas duzentos dias.

Quer saber quantos foram? Não digo.

Mas duzentas vezes eu disse te amar.

Todas elas com sinceridade e amor. Todas elas de coração, de alma. Não cheguei a conhecer a tua. Você não deixou.

Você não deixou que fossem duzentos meses. Tudo o que você mal deixou foi eu dizer duzentas vezes "eu te amo".

Cento e noventa e nove vezes você respondeu "eu também". Tudo bem.

Mas também não te deixo mais dizer "eu também" a mais ninguém. Nem mais nada.

Fiz questão de contar:

duzentas facadas em teu peito aberto.


Rafael Rodrigues
*Texto sob encomenda, para a edição de número 200 do Simplicíssimo

Wednesday, October 11, 2006

Métricas

Pode parecer ressentimento meu, ou talvez uma afirmação completa. Mas palavras feitas, clichês e outras regalias me incomodam.

Costumo ver a felicidade como partículas. Chuvas que caem, grão em grão, que se bem aproveitadas viram uma tempestade saudosa. Assim, me incomoda qualquer pessoa que soe feliz demais. Contradiz a idéia natural das coisas de que somos honestamente tristes.

Leio muitas mensagens entre amigos, deitadas no senso comum. Elogios automáticos sobre a foto, a roupa. Tudo é tão banal que perdeu sua beleza. A garota comum escreve querendo ser mais selvagem, como se fosse resposta para sua vida incompleta. O verdadeiro instinto está naquilo que forma nossa essência impossível de ser roubada.

Há muitos sonhos sendo planejados, esquecem da vida no hoje. Sonhar é fácil, mas alguém se arrisca a construir do papel um edifício?

Gosto de beber da sinceridade, de colher escolhendo com cuidado cada palavra que digo. Meu bom dia é dito com verdade, meu elogio é composição sincera. Se não gosto, me calo. O silêncio tem poder de combater muitas palavras.

Com o tempo o homem se robotiza. Ações tão comuns que perdem a preciosidade. Almoço, janta, café, cinema, gibi. Tudo passa distante. Deixam mensagens em secretárias como se fossem piada, derramam frases feitas, citam palavras em inglês. Deus, você irá salva-los por isso?

Andando pouco a pouco no moedor de carne, estamos contra a parede. Somos massa do concreto, argamassa para virarmos mais um tijolo na parede da estupidez. Parede que, por sinal, é impecavelmente branca e comum, automática como todos os seres.

No fim se querem saber, sou o pior dos condenados. Ergo minha bengala aos senhores, mas confesso que sei meus próprios erros. E assumo que entre minhas corrupções prezo por manter a calma e tentar ser útil a mim mesmo.

Sou pior que todos eles, mas carrego nos meus dentes o doce veneno letal das palavras. Que matam, consomem e aniquilam na hora em que elas desejam. O resto é bobagem, presunção, ou senso comum.

Thiago Augusto

27 de Janeiro de 2006

Friday, October 06, 2006

The older you get...

The older you get, the less you dream.

Para tudo na vida existe um preço, uma troca, ganha-se e perde-se, conseqüentemente. É uma constante.

Todos envelhecemos e, com intelecto privilegiado ou não, passamos por experiências. Experiências essas que vão moldar nossa atitude perante certas situações. É claro que o contexto social tem um peso mais que surpreendentemente alto, principalmente se atrelado à experiência. "Menino, não sai na chuva que você vai pegar gripe!" - um dia depois, tirando o termômetro debaixo do braço. "Eu não disse?!? Você gripou, seu fidapuuta!" e lá se vai uma importante lição para uma criança mimada.

As experiências têm função de aprendizado, o que na abordagem "comportamental" da Psicologia trataria como condicionamento, reforço, etc. Já no ramo "cognitivo" diria que construir-se-ia "esquemas", os quais ajudarão às pessoas identificarem com mais rapidez uma situação de acordo com uma lembrança que remonte uma situação semelhante. Ex.: Joãozinho tinha um amiguinho gordinho na 3ª série, e 3 anos mais velho, que tinha uma voz rouca e roubava seu lanche todos os dias. Caso ele se depare com algum relacionamento com algum homem gordo e de voz rouca num futuro próximo, ou não, pode criar uma antipatia automática devido às experiências do passado que ativaram seu cognitivo para reconhecer o "perigo". Assim nossos ancestrais aprendiam que plantas coçavam, que tipo de animal deveria-se temer, também funcionava a imitação, mas quero focar estes esquemas.

Todos sofrem com más lembranças, mas algumas pessoas conseguem discernir o emocional do racional e saber quando se deve agir pensando ou usando a intuição. Ou mesmo ligar-se que a tal de intuição pode ser nada mais que os esquemas construídos no passado agindo de forma a facilitar (ou não) suas escolhas, identificações e etc.

Felizes os que conseguem construir esquemas, viver experiências e, ainda assim, ser capaz de experimentar situações novas, se permitir arriscar e crescer. Mas a influência sócio-cultural, às vezes, consegue ser muito superior a qualquer tentativa humana de ser indivíduo e acovarda cada um com seus conhecimentos limitados, mas com fantasias de detenção de verdade.

The older you get, the less you dream.


Eduardo Leite

Tuesday, October 03, 2006

Antenas quebradas

* Texto publicado originalmente no Digestivo Cultural, dia 02/10/2006

Em meu último texto, uma resenha de O soldado absoluto (biografia do marechal Henrique Lott), transcrevi o seguinte trecho do livro:

“ – Presidente, o Lott não quer ser nada. Deseja vestir o pijama, e cuidar do jardim da casa que tem em Teresópolis. (...) Mas eu, se fosse você, lhe faria um apelo para continuar à frente do Exército. (...) Não acredite na conversa dos que (...) procuram jogá-lo fora do seu governo como meio de vê-lo nascer enfraquecido. Não hesite. Mande chamar o general Lott e insista para ele continuar na pasta da Guerra.”

Por falta de espaço (se você clicou no link acima ou se já havia lido a coluna, notou que ela foi bem maior que as minhas anteriores) e também pensando em um próximo texto (este que você lê agora), deixei de dizer que o trecho citado foi um conselho que o então deputado federal Armando Falcão dera a Juscelino Kubitschek (não há a data exata da conversa, mas ela aconteceu pouco antes de JK tomar posse do cargo de presidente da república, em janeiro de 1956). O detalhe, catalisador desta coluna, é o fato de, naquela conversa, também estar presente o poeta e amigo de Juscelino, Augusto Frederico Schmidt. Que, aliás, fez coro com Armando Falcão, sobre a escolha de Lott para o Ministério da Guerra.

Quando li essa passagem do livro, lembrei de uma crônica de Fernando Sabino, na qual ele relatava um incidente ocorrido em uma viagem para Cuba que ele fizera junto com a comitiva de Jânio Quadros, em 1960. No grupo que acompanhava o então candidato à presidência, mais um escritor: Rubem Braga. Além de um bom número de jornalistas.

Lembrei também de outro caso envolvendo Fernando Sabino. Em 1944 ele se casara com a filha do na época governador do estado de Minas Gerais. O padrinho de casamento da noiva seria Getúlio Vargas. Para fazer uma espécie de protesto, Sabino convidou Mário de Andrade, “ilustre opositor” de Vargas, para ser o seu padrinho. Seria uma afronta ao sogro e ao padrinho da noiva. Acabou que nenhum dos dois se fez presente na cerimônia. Ocuparam seus lugares, respectivamente, Juscelino Kubitschek (então prefeito de Belo Horizonte) e Murilo Rubião, escritor e amigo de Sabino. (Maiores detalhes sobre o ocorrido em Cartas a um jovem escritor e suas respostas, de Fernando Sabino e Mário de Andrade).

O leitor pode estar confuso, pois até agora não mostrei onde quero chegar. Mas não perca a paciência, estimado leitor! Direi agora. Perguntarei, aliás.

Escritores e artistas, nos dias de hoje, não se envolvem com política como antigamente. Isso é bom ou ruim? Até que ponto? Ou não faz diferença alguma?

Em uma outra coluna citei Ezra Pound, que disse que “Os artistas são as antenas da raça”. E eu completava: “O que ele quis dizer com isso? Que os escritores são aqueles que precisam estar a par do que acontece ao seu redor. Que também são aqueles que têm uma sensibilidade maior, e podem prever que algo está por vir. Se é algo de bom ou de ruim, não importa. O que importa é que os escritores são aqueles que, se presume, detêm o saber. São inteligentes, cultos, dinâmicos, interessados, polivalentes. Ou deveriam ser. Os escritores são homens que, com suas palavras, podem mudar vidas.”

Me pergunto se, caso os artistas, escritores, intelectuais, fossem mais politizados, como eram há algumas décadas, o Brasil seria um país melhor. Não estou dizendo que artistas deveriam se candidatar a cargos públicos. Apenas acho que eles deveriam se aproximar mais da política, para quem sabe assim despertar, nos cidadãos comuns, um maior interesse no assunto. E, é claro, defendo que os artistas exponham suas opiniões, desde que sensatas e defendidas com bons argumentos. Sem politicagem barata.

Pensando nisso, e fazendo uma comparação com os Estados Unidos, fico inclinado a acreditar que sim, nosso país seria melhor se os artistas fossem mais engajados. Vejamos.

O humorista norte-americano David Letterman faz, em todos os seus programas (um talk show), alguma referência a George W. Bush. Quase sempre uma piada, pegando o gancho de algum dos (são tantos!) deslizes do presidente dos EUA. E de vez em quando David leva ao programa senadores, jornalistas e ex-presidentes que procuram fazer algo pelo país. Como quando Al Gore, concorrente de Bush nas eleições presidenciais de 2000, foi ao programa para divulgar seu filme An inconvenient truth (Uma verdade inconveniente, em uma tradução literal), que procura mostrar aos americanos – e a quem mais interessar – a crise climática que o nosso planeta vem enfrentando já há um bom tempo (da qual todo mundo tem conhecimento, todo mundo vê e todo mundo sente na pele – literalmente). Mas Al Gore não apenas aponta os erros: ele propõe atitudes que, se tomadas, poderiam melhorar – e muito – o nosso planeta.

O Jô Soares até que tentou fazer algo no seu programa, quando das denúncias e apurações do famoso mensalão. Convidou jornalistas para compor uma espécie de mesa-redonda-sobre-política em seu programa e entrevistou uma série de políticos, mas não ajudou muito. Primeiro: a maioria de nossos jornalistas não é imparcial (nem o apresentador foi...). Segundo: a maioria de nossos políticos não presta mesmo.

Um exemplo? Nosso mais recente ex-presidente, que à custa da compra de deputados aprovou uma emenda que viabilizaria sua própria reeleição, critica o atual quadro político (que é basicamente igual ao que ele manteve), o atual governo (que basicamente segue as diretrizes da sua não tão ruim administração), sem sugerir melhoria alguma. Ele não faz críticas construtivas. Ele faz críticas destrutivas, que só pioram toda a situação. Quando não está fazendo isso, o nosso querido ex-presidente dá palestras por aí – cobrando caro, é claro – e assina polpudos contratos editoriais. Ou seja: cada um que cuide do seu e salve-se quem puder.

Pois. Além de nossos políticos serem incompetentes, corruptos, egoístas e outras coisas mais, nossos artistas ou fazem uma oposição burra ou apóiam políticos por razões que nem mesmo eles – os artistas – sabem.

Eu, sinceramente, me sinto perdido no meio de tudo isso (tanto que até este texto saiu meio que embriagado de indignação). Não há em quem confiar. Há, talvez, em quem menos desconfiar... Não posso afirmar com certeza que um maior engajamento por parte dos nossos artistas traria alguma melhoria para a nossa política, mas insisto: se eles fizessem isso de maneira responsável e sensata, ajudaria muito o nosso país.


Rafael Rodrigues