Sunday, March 12, 2006

Bendito

Benditas coisas que eu não sei
Os lugares onde não fui
Os gostos que não provei
Meus verdes ainda não maduros
Os espaços que ainda procuro
Os amores que eu nunca encontrei
Benditas coisas que não sejam benditas

Mart´nalia e Zelia Duncan, Benditas
in Pré Pós Tudo Bossa Band, Zélia Duncan


- Você, meu filho, quando crescer será um garoto maravilhoso. Super educado, gentil, que não vai trazer problema algum para seus amigos. Que por sinal você terá muitos. Isso. Pronto. - E finalizava a arrumação perfeita de seu cabelo repartido milimetricamente ao meio.
O filho em cima de um banquinho fitando-se no espelho não percebera que naquela hora quem se refletia era quase a mãe e não o próprio. Anos depois descobrira que embora fosse ligeramente pragmático, seu cabelo deveria secar naturalmente, apenas com algumas pinçadelas de uma arrumação manual só para não ficar para cima e assim não parecer estupidamente rebelde.
No album antigo de fotografias, o garoto olhava as roupas escolhida por anos pela mãe. Artefatos que nunca mais pensaria em usar e que ainda traziam um questionamento, como fora usar figurinos tão excentricos?
Podia reconhecer suas feições naquelas fotos pueris, mas aonde estava seu ponto de partida que deu inicio a sua inconstância? Transformada por todas as coisas que depois seriam definidas como "pluraridade existêncial".
Existia um vácuo entre o garoto gordo e baixinho de sua infância, para o garoto, jovem, homem sentado em sua cadeira preferida lendo um Bukowski. Uma linha interminável que separava cada pensamento do que ele seria para aquilo que agora era de verdade.
Engana-se quem acha que com o tempo esse garoto cedeu para a vida. Não, não. Com o passar das histórias, mesmo quase caindo em desvios, ele pode se manter. Achar um quase equilibrio que o desorientou deveras. E o homem sentado com o livro aberto na altura de seus olhos era agora acompanhado de seu eu menino. Que o seguiria por toda sua vida.

O velho relógio já tinha o transformado muito. Seu único desejo era se tornar mais distraido, deixar de lado seus próprios traumas e asfixias. Matar de uma ver por toda sua ansiedade, ora de vida, ora de amor. Mas dessa vez era diferente. Aquele livro não era para o distrair somente como fuga. Mas sim para descobrir novos conhecimentos para sua interminavel vontade de ir além. Estava tranquilo de certa forma, quase contente.

Fechou o livro e o deixou sobre a cadeira, foi até a janela, aqueceu a mão aos bolsos, sabendo que assim pareceria mais uma cena de qualquer filme. Pensou no mundo que havia lá fora. Se poderia ser tão bonito quanto o que havia dentro de si.
Teimoso como sempre, embora descrente de quase toda humanidade. Ainda imaginava que haveria qualquer sonho bom para habitar nossa terra. Havia horas que nem mais acreditava nisso. Mas esses momentos passavam logo e ele se apaixonava novamente pelo pôr do sol.

Triste era saber que muitos não lhe davam ouvidos. E os poucos que o ouviam saiam energéticos pelas palavras desse rapaz. Ele pensava de verdade que possuia algo em si mesmo que trazia a incrivel discrepância da diferença. Era assim que gostava de viver.

Ruim era perceber que toda noite, só ele saia lá fora, no topo de sua colina. Encostava-se numa arvore, novamente sentia-se como uma cena ambulante de cinema, e pensava. Incríveis abstrações e sonhos. Sem saber que, talvez, suas idéias tão malucas seriam seu próprio erro. Não sabia que era necessário manter-se calmo e distraído para receber todas as surpresas da vida. Deveria evitar até de esboçar suas palavras métricas.

O tolo dormia sem querer por alguns minutos. Quando acordava sempre sentia frio e voltava para dentro de seu lar. Quando reencontrou o livro na cadeira, deixou-o de lado. Dessa vez não haveria tempo para uma leitura. Foi-se deitar por apenas um motivo: O de saber que amanhã nasceria um novo dia que queria viver, onde talvez ele fizesse qualquer coisa banal soar extremamente bela.
Talvez fosse nisso que queria acreditar. Desconhecia que talvez se ele se distraísse o mundo sorriria de volta como sempre pediu.

Foi dormir tentando evitar qualquer pensamento ilusório. Por alguns segundos imaginou alguém ao seu lado, ou qualquer plano banal novamente imitando qualquer filme. Mas esqueceu de tudo e contemplou o mundo dos sonhos. Por algumas horas iria conseguir viver sem estar a margem de seus planos.

Thiago Augusto
(14-11-05)

2 Comments:

At Monday, March 13, 2006 11:26:00 AM , Anonymous Anonymous said...

Thiago,
Algum dia, no alto da sua carreira literária um jornalista dessas revistas de livros e escritores irá entrevistá-lo e te fará dentre outros o seguinte questionamento: Porque escrever?
Com certeza esse jornalista não leu esse texto seu e não fez o dever de casa, então não sabe da profundidade de seu amor pelas letras e o prazer que tem em organizá-las.
Então vc derá responder de forma singela: Escrevo porque sou BENDITO!
obrigada
beijos

 
At Thursday, March 16, 2006 10:43:00 AM , Anonymous Anonymous said...

hummmmmmmm.
bjos
Eli

 

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