O Dia Em Que Seremos Felizes
I
Corria a 120 km por hora pela estrada. Um caminho comum que sempre percorria entre seus sonhos e sua primeira casa natal. Talvez se fosse típico lembraria o nome da estrada que segue, há anos, mas não ele. Seria inútil saber o nome daquele lugar.
De onde vinha trazia no pensamento uma doce memória recente. A velocidade que se propagava, afastando os pedaços de chuva, o fazia pensar como há quase uma hora atrás sua vida era diferente, como a partir de agora tudo teria um novo sabor assustador. Ela nunca seria a mesma desde então. A história tortuosa e esquisita trazia agora consigo um novo firmamento.
II
Era tarde de sexta feira quando chegava naquela cidade. Ao menos uma vez por mês, visitava Darla, amiga antiga de longa data. O fato curioso, fazendo uma das linhas que seriam escritas essa história, é que conforme o tempo passava mais crescia a amizade dos dois, até chegar a amor.
Contando dessa forma aos leitores não é de se espantar que tudo parecesse muito fácil. Não foi. Precisou Marcelo brigar com Darla, se apaixonar por ela, ela se apaixonar por todos os outros, se tornarem amigos, viverem, chorarem, para um dia, quase sem querer esse amor se consumar.
Fez-se então, após o confuso dia que ele acordou na casa dela, ao lado dela, vendo suas roupas ao chão (Fato esse que anos atrás o deixaria dantescamente assustado se sentindo o homem mais imoral do mundo), um relacionamento estranho.
Eles eram um casal completamente moderno. Amigos desde sempre, nunca negavam que existia entre eles uma espécie de amor duradouro, que por ventura do destino, ou talvez deles mesmos, ultrapassou a linha da dependência. Fazendo um nos braços do outro sempre que possível. Mas nunca fazendo com que fosse exclusivo.
Certo, a história parece complicada para quem tivesse do lado de fora. Mas morando em lugares distantes desde sempre, a idéia era bem clara. Seriam um do outro o tempo que estivesse juntos. Após isso, a história amorosa de cada um seria problema do mesmo.
III
Era tarde de sexta feira quando chegava naquela cidade. Fazia exatos 23 dias que não se encontravam. Problemas com sua empresa, a burocracia interminável do governo, o fez adiar a viagem por duas semanas.
Pouco antes de chegar à cidade, seu celular vibrou, Darla. Sorveteria ela dizia, aquela do shopping do outro lado da cidade. Assim que ele chegasse iriam para lá.
Chegou às 15h da tarde, quase em ponto. Buzinou duas vezes em frente a sua casa no centro. Um minuto depois ela saiu, roupas leves mas com uma sutil beleza de alguém que não gostaria de ir mal vestida em um dos maiores shoppings da cidade.
Chegaram em 20 minutos devido ao transito. No gigantesco estacionamento do Shopping Matono, ela pediu um tempo dentro do carro.
Mordia a parte inferior de seus lábios, descascava propositadamente suas unhas escuras, deixava seu olhar se perder do dele, com receio.
Que ela fosse dizer algo, ao menos, importante, Marcelo poderia imaginar. Talvez um fim abrupto arruinando até a amizade. Um pedido de nunca mais, por terem ido longe demais. Porém, acima de tudo, seria melhor se ela falasse de uma vez o que estava acontecendo.
IV
Seria engraçado se não fosse deveras surpreendente. Parecia cena das comédias antigas, cuja personagem ficava com o rosto em pausa, perplexo pela notícia que acabara de receber. Mas sua vida, nesta cena, não era filme algum. E o choque inicial era visível em seu rosto. O clima gelou de leve naquele carro, e os três ali presentes puderam perceber.
V
Aos 30 anos de idade, Marcelo seria pai. Para alguns muitos que lêem, essa idade já é a adequada. Mas não para ele. Sua evolução fora sempre lenta, e ainda não era hora de um compromisso casamentório.
Atrapalhado no meio de seus pensamentos, demorou a perguntar "como?". Mas logo concluiu sua própria pergunta mental. E depois de Darla, cinco anos mais nova, esperar 50 dias por algo que não veio, deduziu sua gravidez. Teriam um filho em breve.
A surpresa inesperada do futuro bebê deixou ambos parados no carro. Ela confusa com a falta de resposta dele, e ele, por sua vez, tentando compreender a mudança radical que aconteceria a partir de agora em sua vida.
VI
Conversaram por alguns minutos ali mesmo. Depois desse passo, era necessário contar a família, aos amigos. Como faze-los compreender que desse estranho amor, nasceria algo muito mais valioso? Eles entrariam cegos, com vendas nos olhos, em um barco, sem saber ao certo que passo caminhar a partir de agora.
Passaram novamente a tarde juntos. Estavam iguais um com o outro. Era possível enxergar nos olhos de cada um o medo do desconhecido. O mergulho nas águas nada cristalinas da paternidade. Imensa responsabilidade para um casal nada ortodóxico.
VII
À noite, depois do beijo de despedida, Marcelo fora embora. Prometeram contar para as respectivas famílias, esperando que fosse decidido com calma o que fariam. Seriam tempos difíceis para cada um deles. Já podiam prever as famílias forçando uma união fugaz que mataria não só o amor, como tudo entre eles.
VIII
Fazia quase meia hora que saíra da cidade, seu celular vibrava novamente. Encostou o carro na estrada, podia imaginar quem era sem olhar para ele. Atendeu.
"Eu tenho medo. Morro de medo de tudo. É tão novo esse passo para nós, tão inesperado que eu queria chorar só para ver se minhas lágrimas conseguem secar. Tem alguém dentro de mim, que no futuro nós ensinaremos o certo e o errado. Alguém que nos fará rir ou chorar. E tudo isso me assusta muito. Eu e você somos tão diferentes, temos um amor tão idiota, mas essa presença um do outro na vida de cada um é tão inevitável quanto nossa vida em si.
Esse bebê me assusta porque tudo agora irá mudar. E eu não quero que as pontes que nos preenchem se quebrem só porque de nossa união controvérsia nascerá alguém feito a partir de nós. Tenho medo de tudo. Tudo."
IX
Uma de suas mãos apoiava-se no volante. Enquanto a outra segurava o telefone. Ao ouvi-la, quase quis chorar, o choro feliz dos homens. Mas se ambos caíssem naquela hora, seria difícil encontrar forças para se levantar de novo.
Ele sabia tudo que ela sentia, para ele acontecia o mesmo de forma total. Estava assustado, mas feliz. Pediu para não se preocupar com nada. O tempo os daria o aprendizado necessário. A única importância que deveria ser mantida era nunca quebrar o laço que os cercava, nunca deixa-lo enforcar, dividindo-os.
Falaram mais alguns minutos, ele continuou seu caminho pela estrada. Deixava momentaneamente a garota que protegia seu primeiro filho nessa terra. Nascido do amor mais impossível, coberto de um moderno, estranho de se aceitar.
No caminho, chorou. Um filho, dizia. Sentia-se mais feliz. Temeroso de seus novos passos no escuro.
Sabia que a partir de agora tudo seria diferente, mas acima de tudo não faltaria amor. De uma forma ou de outra haviam roubado para eles o pouco que restava do céu.
Corria a 120 km por hora pela estrada. Um caminho comum que sempre percorria entre seus sonhos e sua primeira casa natal. Talvez se fosse típico lembraria o nome da estrada que segue, há anos, mas não ele. Seria inútil saber o nome daquele lugar.
De onde vinha trazia no pensamento uma doce memória recente. A velocidade que se propagava, afastando os pedaços de chuva, o fazia pensar como há quase uma hora atrás sua vida era diferente, como a partir de agora tudo teria um novo sabor assustador. Ela nunca seria a mesma desde então. A história tortuosa e esquisita trazia agora consigo um novo firmamento.
II
Era tarde de sexta feira quando chegava naquela cidade. Ao menos uma vez por mês, visitava Darla, amiga antiga de longa data. O fato curioso, fazendo uma das linhas que seriam escritas essa história, é que conforme o tempo passava mais crescia a amizade dos dois, até chegar a amor.
Contando dessa forma aos leitores não é de se espantar que tudo parecesse muito fácil. Não foi. Precisou Marcelo brigar com Darla, se apaixonar por ela, ela se apaixonar por todos os outros, se tornarem amigos, viverem, chorarem, para um dia, quase sem querer esse amor se consumar.
Fez-se então, após o confuso dia que ele acordou na casa dela, ao lado dela, vendo suas roupas ao chão (Fato esse que anos atrás o deixaria dantescamente assustado se sentindo o homem mais imoral do mundo), um relacionamento estranho.
Eles eram um casal completamente moderno. Amigos desde sempre, nunca negavam que existia entre eles uma espécie de amor duradouro, que por ventura do destino, ou talvez deles mesmos, ultrapassou a linha da dependência. Fazendo um nos braços do outro sempre que possível. Mas nunca fazendo com que fosse exclusivo.
Certo, a história parece complicada para quem tivesse do lado de fora. Mas morando em lugares distantes desde sempre, a idéia era bem clara. Seriam um do outro o tempo que estivesse juntos. Após isso, a história amorosa de cada um seria problema do mesmo.
III
Era tarde de sexta feira quando chegava naquela cidade. Fazia exatos 23 dias que não se encontravam. Problemas com sua empresa, a burocracia interminável do governo, o fez adiar a viagem por duas semanas.
Pouco antes de chegar à cidade, seu celular vibrou, Darla. Sorveteria ela dizia, aquela do shopping do outro lado da cidade. Assim que ele chegasse iriam para lá.
Chegou às 15h da tarde, quase em ponto. Buzinou duas vezes em frente a sua casa no centro. Um minuto depois ela saiu, roupas leves mas com uma sutil beleza de alguém que não gostaria de ir mal vestida em um dos maiores shoppings da cidade.
Chegaram em 20 minutos devido ao transito. No gigantesco estacionamento do Shopping Matono, ela pediu um tempo dentro do carro.
Mordia a parte inferior de seus lábios, descascava propositadamente suas unhas escuras, deixava seu olhar se perder do dele, com receio.
Que ela fosse dizer algo, ao menos, importante, Marcelo poderia imaginar. Talvez um fim abrupto arruinando até a amizade. Um pedido de nunca mais, por terem ido longe demais. Porém, acima de tudo, seria melhor se ela falasse de uma vez o que estava acontecendo.
IV
Seria engraçado se não fosse deveras surpreendente. Parecia cena das comédias antigas, cuja personagem ficava com o rosto em pausa, perplexo pela notícia que acabara de receber. Mas sua vida, nesta cena, não era filme algum. E o choque inicial era visível em seu rosto. O clima gelou de leve naquele carro, e os três ali presentes puderam perceber.
V
Aos 30 anos de idade, Marcelo seria pai. Para alguns muitos que lêem, essa idade já é a adequada. Mas não para ele. Sua evolução fora sempre lenta, e ainda não era hora de um compromisso casamentório.
Atrapalhado no meio de seus pensamentos, demorou a perguntar "como?". Mas logo concluiu sua própria pergunta mental. E depois de Darla, cinco anos mais nova, esperar 50 dias por algo que não veio, deduziu sua gravidez. Teriam um filho em breve.
A surpresa inesperada do futuro bebê deixou ambos parados no carro. Ela confusa com a falta de resposta dele, e ele, por sua vez, tentando compreender a mudança radical que aconteceria a partir de agora em sua vida.
VI
Conversaram por alguns minutos ali mesmo. Depois desse passo, era necessário contar a família, aos amigos. Como faze-los compreender que desse estranho amor, nasceria algo muito mais valioso? Eles entrariam cegos, com vendas nos olhos, em um barco, sem saber ao certo que passo caminhar a partir de agora.
Passaram novamente a tarde juntos. Estavam iguais um com o outro. Era possível enxergar nos olhos de cada um o medo do desconhecido. O mergulho nas águas nada cristalinas da paternidade. Imensa responsabilidade para um casal nada ortodóxico.
VII
À noite, depois do beijo de despedida, Marcelo fora embora. Prometeram contar para as respectivas famílias, esperando que fosse decidido com calma o que fariam. Seriam tempos difíceis para cada um deles. Já podiam prever as famílias forçando uma união fugaz que mataria não só o amor, como tudo entre eles.
VIII
Fazia quase meia hora que saíra da cidade, seu celular vibrava novamente. Encostou o carro na estrada, podia imaginar quem era sem olhar para ele. Atendeu.
"Eu tenho medo. Morro de medo de tudo. É tão novo esse passo para nós, tão inesperado que eu queria chorar só para ver se minhas lágrimas conseguem secar. Tem alguém dentro de mim, que no futuro nós ensinaremos o certo e o errado. Alguém que nos fará rir ou chorar. E tudo isso me assusta muito. Eu e você somos tão diferentes, temos um amor tão idiota, mas essa presença um do outro na vida de cada um é tão inevitável quanto nossa vida em si.
Esse bebê me assusta porque tudo agora irá mudar. E eu não quero que as pontes que nos preenchem se quebrem só porque de nossa união controvérsia nascerá alguém feito a partir de nós. Tenho medo de tudo. Tudo."
IX
Uma de suas mãos apoiava-se no volante. Enquanto a outra segurava o telefone. Ao ouvi-la, quase quis chorar, o choro feliz dos homens. Mas se ambos caíssem naquela hora, seria difícil encontrar forças para se levantar de novo.
Ele sabia tudo que ela sentia, para ele acontecia o mesmo de forma total. Estava assustado, mas feliz. Pediu para não se preocupar com nada. O tempo os daria o aprendizado necessário. A única importância que deveria ser mantida era nunca quebrar o laço que os cercava, nunca deixa-lo enforcar, dividindo-os.
Falaram mais alguns minutos, ele continuou seu caminho pela estrada. Deixava momentaneamente a garota que protegia seu primeiro filho nessa terra. Nascido do amor mais impossível, coberto de um moderno, estranho de se aceitar.
No caminho, chorou. Um filho, dizia. Sentia-se mais feliz. Temeroso de seus novos passos no escuro.
Sabia que a partir de agora tudo seria diferente, mas acima de tudo não faltaria amor. De uma forma ou de outra haviam roubado para eles o pouco que restava do céu.
Thiago Augusto
(03-03-06)
(03-03-06)
4 Comments:
(:
ELi
muito bom. me lembre de lhe falar da idéia que tive no número V e outra parada no número IX hehe []ss
Rafael
Realmente muito bom! Adorei, principalmente os nomes das personagens. Mas o melhor foi o do shopping!!! Hihi B-jos
Daniela Matono =0)
o que eu estava procurando, obrigado
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