Wednesday, December 06, 2006

Talk to the devil - Parte Final

“Não, idiota! Eu não matei a vadia. Eu não poderia, a não ser que você quisesse o suficiente para sair de mim e alcançar sua consciência, mas isso não passava de um pensamento perdido em seu lado negro” e apontava para si mesmo com as duas mãos enquanto falava e sorria maroto.

“Ainda há tempo. Esse luto durou tempo demais. Vamos mudar esse visual e voltar aos estudos. Com toda certeza um aluno brilhante como você, irá retomar os estudos e no máximo em um ano e meio terá concluído o que falta. Depois de alguns casos bem representados você poderá tirar umas boas férias no Caribe e descolar umas três vagabundas para si... err... acho melhor você mudar sua orientação sexual, porque outra vadia pode arruinar tudo.”

Um estalo na cabeça e Sérgio, finalmente, entendeu o que tudo isso queria dizer. E a partir dessa descoberta um velho desejo de sucesso emergiu das profundezas de seu ser e todo seu romantismo piegas afundou junto com sua cafonice desmedida e seus pudores que nunca o levariam a nada.

Um ano e meio? Sérgio vendera todas as suas posses, mudou-se para um dormitório de estudantes e calculou quanto tempo conseguiria sustentar-se com aquele dinheiro. 15 meses foi sua resposta e, então, estudou como doido e em menos de 12 meses já havia concluído tudo que abandonara.

Sua fama não havia morrido, ao contrário dele próprio, e assim que começou a fazer jus à semente que deixara plantada naquela universidade, convites choveram mesmo antes de concluir seu curso. Assim conquistou seus desejos, alcançou estabilidade, poder, sucesso, respeito e, principalmente, amor próprio.

Cinco anos após a aparição que daria um novo rumo à sua vida, resolveu comemorar com uma grande festa. Convidou seus amigos, parentes que não falavam consigo quando estava com a ex-mulher e mais alguns V.I.P.’s que poderiam colocar a festa pra cima. A festa realizou-se em um cruzeiro que atravessou o Atlântico, rumo às ilhas gregas. Pensou onde estaria aquele demônio que um dia o havia ajudado, o responsável por tudo que se tornara. Logo sentiu sua presença muito próximo de si. Na verdade, ele havia se tornado o próprio.

Sérgio morreu aos 50 anos, vítima de envenenamento. A essa altura havia se casado novamente uns 7 ou 8 meses antes.



Eduardo Leite

Monday, November 13, 2006

O que mais me atrai em você

Ao contrário do que pensam todos, o que mais me atrai em você não é a sua beleza. Ela é apenas um de seus atributos, e eu agradeço a Deus por ter sido escolhido para ter acesso exclusivo a ela.
Você não é alta, muito pelo contrário. E eu prefiro as baixinhas. Nunca escondi isso de ninguém. Seu tamanho sua branca cor da pele seus cabelos negros lisos e longos e seu corpo bem delineado fazem de você a mulher perfeita para mim. Você queria ter olhos verdes, mas o castanho deles é bem mais bonito. E combina mais contigo.

Contei pra todo mundo do dia que te conheci. Estávamos numa livraria, na mesma seção. Eu lia a orelha de um livro e perguntava para mim mesmo “será que tem o mais novo dele aqui?”. Ouvi alguém dizendo “tem sim”, mas imaginei ouvir vozes. Foi quando você ficou na ponta dos pés, pegou o livro, e o colocou em minhas mãos. Dizendo “é muito bom”. Eu agradeci, perguntei seu nome, conversamos um pouco. Nada de mais, me lembro muito bem disso.

Depois de virar as costas para pagar o livro e ir embora, quando já tinha me despedido de você, resolvi te chamar para tomar um café. Nunca fizera coisa parecida até então. Perdi a conta de quantas vezes fantasiei casos de amor com lindas mulheres que via nas ruas nos ônibus nas lojas ou em qualquer lugar que estivesse. Algumas delas até olhavam para mim, pareciam interessadas, mas me faltava coragem de ir até elas. Até aquele dia.

Mas enfim, fomos tomar um café. E conversamos bastante. Quer dizer, o que deu para conversar, em mais ou menos trinta minutos. Foi o tempo que durou aquele nosso “encontro”.

Trocamos telefones e eu te liguei alguns dias depois.

Isso aconteceu por culpa de sua gentileza. Característica que poderia ser a que mais admiro em você. Mas não é.

O mais engraçado nisso tudo é que antes desse dia na livraria eu me recordo de ter te visto. Depois desse meu primeiro contato contigo, passei a te ver com mais freqüência. E sem esforço. Você morava perto de minha casa e pegávamos a mesma condução para ir à faculdade. Alguns dias a coincidência era ainda maior, pois mesmo estando ambos se atrasados, nos encontrávamos.

Poderia enumerar muitas outras qualidades e características tuas que me deixaram apaixonado por você, mas nenhuma delas supera o teu jeito único de dizer “porra” ou de dizer “é foda, velho”, e fazer assim, batendo uma mão aberta na outra fechada.


Rafael Rodrigues

Wednesday, November 08, 2006

Talk to the devil - Parte II

Um pensamento lhe passou pela cabeça e um frio percorreu sua espinha. Quando tentou varrer essa idéia para longe, o homem olhou em sua direção com um sorriso irônico no rosto. Com um susto, ele recolheu-se mais ainda atrás do mármore, mas já era tarde, havia sido descoberto. Fechou seus olhos com força como que querendo mandar aquela figura para longe de si. Abriu-os, novamente e puft! Ele havia sumido.

Só a cadeira permanecia. Esfregou os olhos e tentou conferir rapidamente, mas foi pego de surpresa.

“Buh!”, gritou o homem atrás de Sérgio, fazendo quase pular por cima do mármore.

“Tá tentando me matar feladaputa? O que cê quer comigo, veado?”.

“Peguei você!”, dizia em meio a muita gargalhada.

“Peguei você de jeito! Como me divirto!”.

O homem, assustado, tentava recompor-se e se levantou pronto a ir embora enquanto o pinel acabava-se de rir. Quando deu as costas para o louco, surpresa! Ele estava, de novo, sentado à cadeira, balançando o dedo em negativa.

“No, no, no! Aonde você pensa que vai?”, falou enquanto levantava-se em direção a Sérgio.

“Sente-se aí para conversarmos”, empurrou-o numa cadeira, onde caiu sentado e indefeso.

“Conversar o quê? Nem te conheço! Olha, sou casado. Não gosto de veadagem”, mostrando a aliança em sua trêmula mão.

“Ah! Essa vadia tá morta e bem acomodada no mármore do inferno. Falando em mármore, Dante tinha uma visão muito limitada do inferno, apesar de ser divertido e criativa a forma como escreveu o livro. Mas voltando à sua ex-puta, digo, esposa, ela tá realizando seu sonho de vida na morte. Trepa todos os dias, aprendeu posições novas e tá se acabando com os dotados. Você precisava ver!” falava tudo em meio a risinhos sarcásticos.

“O quê?!” gritou com os olhos imersos em ódio.

“Ah! Desculpe, Sérgio. Esqueci que você é corno manso, saudoso. Mas brincadeiras à parte, vim responder suas perguntas.” cruzou suas pernas e lançou-lhe um olhar sério.

“Como sabe meu nome?” parou, com os olhos esbugalhados balbuciou algo. Desistiu e tomou fôlego.

“Seria muito clichê se eu contasse, acho que deixei bem na cara, né? Você é um idiota bebum e não o contrário, não vou subestimar sua inteligência. Vamos às perguntas, apesar de saber quais são, vamos estabelecer um diálogo.” e acendeu um cigarro.

Sérgio não conseguia conceber que diabos estava acontecendo, mas não teve tempo de pensar em perguntar algo, o homem adiantou-se.

“Você queria respostas de deus. Eu, particularmente, não acredito nele, acho ser uma invenção de vocês. Mas resolvi vir responder seus conflitos mais dolorosos.”, e ensaiou uma posição de drama enquanto proferia a revelação.

“Você tem potencial, Sérgio! Entende o que eu digo? Não é o que um professor fala pra um aluno que paga seu salário. Tou falando isso de verdade.”

“A vaca da tua falecida te fazia de cachorrinho. Cê pagava as contas enquanto ela trepava com o carteiro, com o padeiro, com o leiteiro, com o vizinho. Pagava viagens pra ela trepar com o recepcionista do hotel, segurança, camareira. Ela te colocou numa coleira e vendas nos olhos. Te fez de bichinho de estimação, cordeirinho, boi manso. E aí ela perdeu o encanto porque você é fácil. Um babaca!” tragando o cigarro.

“Você tinha planos, sonhos, ambições. Era implacável, esforçado. Uma pena ter se perdido por causa de uma boceta.” joga fora o cigarro.

Sérgio não conseguia responder, apenas ouvia atentamente a cada palavra. Tentando dar algum sentido a tudo. Por que ele estaria tão preocupado com seu futuro como advogado? Até fazia sentido o que ele falava, mas por que se preocupar? O que o diabo tinha a ver com isso?

“Sabe o que mais me fascina no Direito?” perguntou enquanto levantava-se e dançava como que sonhando com o que falava.

“A verdade não importa. Simplesmente que usa as informações da melhor forma para convencer os outros de seu ponto de vista. Tudo é relativo. Seria Einstein um advogado?” risos.

“Você era um escroto, Sérgio. Conseguia colocar no bolso todos os seus colegas de curso. Por isso era odiado e amado por diferentes professores. Um ilusionista, malabarista. Você tinha futuro. E eu iria te usar para mim, mas agora tudo voltará aos eixos e meus planos vão continuar.” falava parado em sua frente, com os olhos em chamas o encarando, vomitando as palavras.

A revelação veio como um soco. Teria ele matado sua mulher? O pensamento não se desfazia e começava a se desesperar com a possibilidade. O que podia fazer contra o demônio? Estava, por demais, confuso.

Continua...

Eduardo Leite

Monday, October 30, 2006

Talk to the devil - Parte I

Era a 9ª vez na semana que se embreagava, mas esta noite era especial. Neste dia fazia 1 mês que sua amada esposa havia falecido embora sentisse a mesma dor do dia de sua morte, ou pior. Cada dia que findava levava consigo o pouco que restara de sua sanidade.

Estava andando em círculos, passara pelo mesmo mercadinho a terceira vez e decidiu que era hora de visitá-la mais uma vez, reviver o passado e reabrir o corte que tão cedo não cicatrizaria.

“Mauro Dantas, Romualdo Sirqueira, Diana Frazão, Davi Limeira” ia repassando mentamente sem precisar olhar para as lápides, conhecia o caminho de cor, mesmo mal iluminado. Parecia andar sem rumo, mas mentalmente sabia quantos passos faltavam para reencontrar seu amor, ou o que um dia o fora.

Parado, finalmente, em frente ao atual lar de Larissa, lembrou-se do fatídico dia em que ela morreu, duas vezes. Descobriu, nesse dia, que sua esposa havia sido assassinada. Morta pelo amante. Não pôde odiá-la. Gostaria de odiá-la, de deixar tudo pra trás e aproveitar-se do seguro de vida, única lembrança boa deixada pela esposa, viajando pelo caribe. Talvez conhecendo algumas mexicanas em Cancun, mas não conseguia, sentia-se um adúltero, tal qual a falecida. Achava-se um idiota e dificilmente encontraria alguém que o contrariasse nesse pensamento. Caiu em prantos.

Nelson conseguiu, com dificuldade, erguer-se. Respirou fundo e viu-se cego de ira. Levantou seus braços aos céus e bradou com todas as forças contidas até o presente. Cuspiu, vomitou as palavras, desabafou para o céu estrelado, intocável, imaculado, lindo, onde jamais Larissa poderia estar. “DEUS! POR QUE TIRASTE TUDO DE MIM? NÃO BASTAVA O AMOR DE MINHA VIDA E TAMBÉM TIRA MINHA RAZÃO DE VIVER? MALDITO SEJAS!”. Desmoronou e desatou a chorar de novo.

Silêncio. Será que alguém o escutara. Seus nervos ficaram a mil junto com seus batimentos cardíacos. Quando conseguiu acalmar-se, conseguiu distinguir uns sons distantes, um barulho de sapatos chegando mais perto. “É o coveiro!”, sussurrou Nelson para si mesmo, e escondeu-se o mais rápido possível por trás do jazigo de sua mulher.

Um assobio desleixado e uma silhueta imponente aproximavam-se de seu esconderijo. Encolheu-se mais ainda. O homem parou em frente ao jazigo. Alto, esbelto, de terno e sapatos caríssimos. Do nada puxou uma cadeira e sentou-se de forma elegante. Sua atenção foi inconstavelmente seqüestrada por este estranho. Quem seria ele? E o que queria ali àquela hora?


Continua...


Eduardo Leite

O que será?

Já estou aqui há um bom tempo. Não anos, meses ou dias. Horas. Duas. Talvez um pouco mais. Em meu pulso há um relógio. Mas não me preocupei em saber qual era a posição dos ponteiros quando cheguei.

E a exatidão não importa, a bem da verdade. Importa é que aqui estou há pouco mais, pouco menos, de duas horas.

É uma praia. Estou sentado na areia, de frente para o mar. Que está tranqüilo. E eu também. Ao menos aparento. Ou me esforço para aparentar.

E aos poucos acabo mesmo ficando mais calmo.

São 8 e 47 da noite. Saí de casa avisando que não teria hora para voltar. Todos achando normal eu sair para beber e tentar a sorte com mulheres em algum bar à beira da praia. Ou quase todos. Minha mãe e minhas tias riram da brincadeira, mas no fundo se perguntavam se eu estava falando sério. Não queriam que o queridinho delas fosse igual aos homens que elas conhecem e convivem há tantos anos. Mas até que não seria uma má idéia. Acontece que prefiro ficar aqui mesmo, sentado, sentindo a brisa do mar e o cheiro de água salgada invadir minhas narinas.

E observando o esvoaçar da fumaça dos meus cigarros. Ajuda a controlar o nervosismo.

Não queria prolongar minha estadia aqui. Soube em meados de novembro que passaríamos as férias em nossa casa na praia. A família toda e alguns amigos. Ela não poderia vir por causa do trabalho. Isso foi antes de termos a tal notícia, em dezembro. O verdadeiro motivo para ela não ter vindo.

Preciso ir embora. Não consigo mais guardar isso comigo. E não posso dividir a notícia com ninguém, pois não há nada certo ainda. Pode ser que não se concretize. Enfim, daqui para o fim da semana invento alguma boa desculpa e volto para casa. Afinal, sou o rei das desculpas.

Tenho pra tudo. Para não ir ao clube no fim de semana, para não ir ao futebol com o pessoal do trabalho, para justificar uma sumida repentina. Tenho até uma desculpa pronta para o caso de precisar matar alguém. Um homem não pode matar alguém sem ter uma boa desculpa. Por isso os serial killers nos parecem tão idiotas. Porque são pegos pela polícia e nada dizem quando aparecem no noticiário e um jornalista pergunta “por que você fez isso?”. Comigo não seria assim. Eu daria uma boa resposta para aquele microfone na mão. Ao menos não me considerariam um idiota. Idiota, sim, seria aquele que, ao ver minha declaração na tevê, me procuraria na cadeia para escrever minha biografia.

Mas não sei quem poderia matar. São tantas pessoas, tantas opções, tantos motivos, que fica difícil escolher.

E aqui estou eu, olhando para o mar tranqüilo em minha frente. Vendo as luzes da cidade no horizonte. Muitos prédios. E pessoas dentro dele fazendo sabe-se lá o quê.

O movimento das ondas, o vagaroso vai e vem. Lembro-me de uma música que diz “como uma onda no mar”. Meu problema seria como uma onda no mar? Ele veio e vai embora? E se for embora, e se é como uma onda, ele voltará de novo?

Ao vir para cá, deixei duas pessoas. Na verdade uma, com outra dentro dela. Prometi voltar. Mas se eu voltar, o que será?

O que será?


Rafael Rodrigues

Friday, October 27, 2006

Percepções

I

Do tempo que passa, percebemos que tudo contem um aprendizado, algo a se ganhar. Seguindo no passo calmo de cada dia, aprendemos a bela sabedoria de fingir.

Dizer amor como bom dia. Parecer revolucionário erguendo o dedo em riste, dizendo palavras mortíferas.

O mal do aprender é descobrir que, mesmo de coração, podemos repetir os passos indefinidamente.

Usar a mesma declaração de amor para ter uma estranha em seus braços. Dizer que tudo está bem, obrigado, quando chove e você esqueceu o guarda chuva.


II


Contam os relatos que aquele famoso pintor, autor do quadro mais famoso do mundo, o fez por encomenda do rei.

Foi pintando pouco a pouco, a cada manhã de mau humor. Pincelando de mau gosto, tendo plena consciência que o rei aceitaria qualquer quadro, desde que fosse chamado de arte.

Dias depois de concluído, foi aclamado como gênio pela corte. A pintura foi considerada revolução, motivo o qual o rei fez uma festa.

Todos ficaram com inveja daquela pintura, que, nas palavras do rei, era um reflexo perfeito da brilhante alma e do brilhante coração daquele pintor.


Quem diria...

III


Olhava o autor sua folha em branco. Piscava-lhe a consciência sabendo que deveria escrever naquela ausência mais uma crônica para o jornal. Tentou e tentou, sem sucesso.

Cinco folhas quase em branco já estavam rasgadas no lixo, quando resolveu começar de novo. Sabia muito bem de seu ofício, anos sendo um conhecedor das palavras, certamente poderia guiá-las sem muito custo.

Porém faltava-lhe naquelas palavras sua alma. Naquele dia ela não pulsava em êxtase com uma idéia curiosa, nenhuma prosa inovadora ou qualquer bobagem de uma crônica metalingüística falando sobre a dificuldade de escrever.

Lembrou-se do amigo de infância por um momento. Pensou em escrever sobre seus tempos áureos. Mas tudo parecia um velho exercício. Decidiu não escrever nada.

Quando o jornal ligou mais tarde, foi exatamente o que disse. “Não produzirei nada hoje, tudo sairia automático. Sem inspiração, sem textos”.

Ao abrir o jornal, no dia seguinte, encontrou uma reprise. E descobriu na mesma tarde que seria despedido no final do mês.


IV

Foi triste o que aconteceu com os dois. Eu que assisti tudo à distância, poderia afirmar que iam bem. Mas ao encontrá-la sozinha naquele supermercado, descobri o contrário.

A marca da aliança ainda era visível, traços que demoram a sumir. Mas achei que ela estava bem. A convidei para um café, para ouvir os detalhes.

Ela disse que poderia aturar quase tudo, mas de forma alguma poderia fingir que aquele amor não se corroia aos poucos. Os vícios o invadiam como uma lenta parada cardíaca. O amor começava a agonizar.

Quando quase morto, tomou a atitude que achava correta: lhe disse a verdade. O amor já estava morto, mas ainda a vida poderia trazer a ambos novos ares da manhã.

Por um lado, era deveras triste. Por outro, ela parecia contente. Não pelo fim, mas por justamente não ser uma mentirosa para si própria.

Ela poderia aturar quase tudo, menos a mentira diante de seus olhos.


Thiago Augusto
09 de Março de 2006

Monday, October 23, 2006

Pergunte ao pó

Arturo Bandini é um jovem americano descendente de italianos que mora em Los Angeles num quarto de hotel simples, muito simples, e que não tem um tostão no bolso.

"Uma noite, eu estava sentado na cama do meu quarto de hotel, em Bunker Hill, bem no meio de Los Angeles. Era uma noite importante na minha vida, porque eu precisava tomar uma decisão quanto ao hotel. Ou eu pagava ou eu saía: era o que dizia o bilhete, o bilhete que a senhoria havia colocado debaixo da minha porta. Um grande problema, que merecia atenção aguda. Eu o resolvi apagando a luz e indo para a cama."

O trecho acima entre aspas é o primeiro parágrafo do romance "Pergunte ao pó" (José Olympio, 208 págs.), do escritor americano John Fante (1909-1983). É complicado falar de um livro tão importante e tão vibrante. "Pergunte ao pó" é venerado por milhares de leitores em todo o mundo. Um de seus admiradores mais famosos é o também escritor Charles Bukowski (1920-1994). Ele escreveu, em 1980, um prefácio para o livro, que faria parte das edições publicadas a partir daquele ano. Ele está presente na nova edição que tenho em mãos, a 6ª, e quase me fez chorar. Resolvi então reproduzir algumas linhas escritas por Bukowski:

"Então, um dia, puxei um livro e o abri, e lá estava. Fiquei parado de pé por um momento, lendo. Como um homem que encontrara ouro no lixão da cidade, levei o livro para uma mesa. As linhas rolavam facilmente através da página, havia um fluxo. Cada linha tinha sua própria energia e era seguida por outra como ela. A própria substância de cada linha dava uma forma à página, uma sensação de algo entalhado ali. E aqui, finalmente, estava um homem que não tinha medo da emoção. O humor e a dor entrelaçados a uma soberba simplicidade. O começo daquele livro foi um milagre arrebatador e enorme para mim."

Mas, como eu dizia, Arturo Bandini vive em Los Angeles, para onde se mudou com o objetivo de tornar-se um grande escritor (isso eu não tinha dito).

Em suas andanças pela cidade empoeirada (em várias passagens Bandini diz que tudo está coberto por pó), ele conhece Camilla Lopez, uma bela mexicana, garçonete de um bar. Seu primeiro contato com ela não é lá muito amigável. Ela lhe serve um café, que "era um café muito ruim". E Bandini, que não tem papas na língua, termina por ofender Camilla. E ela a ele. Isso é uma constante em seus encontros. Sim, porque eles se encontram várias vezes. Bandini passa a ir ao bar com alguma freqüência, apenas para ver - e ofender - Camilla.

As ofensas quase sempre são impensadas. Resultado do temperamento tempestuoso do aspirante a escritor. E essas ofensas sempre são motivos de arrependimento. Bandini ama Camilla, e tem raiva disso. E essa raiva é o que o faz destratá-la. Ele pensa ser superior à mexicana. Mas, no fundo, sabe que ambos são iguais; o sobrenome "não-americano", a origem pobre, o preconceito que eles enfrentam. O romance se passa na década de 30. Se ainda hoje existe preconceito em relação aos latino-americanos nos EUA, imagine naquela época? Bandini só foi aceito no hotel depois de muito insistir, e de mostrar um exemplar da revista que havia publicado um conto seu, "O cachorrinho riu". Segundo ele, "uma história que você não consegue parar de ler, e não era sobre um cachorro: uma história inteligente, de gritante poesia." Pode-se ver que a modéstia não é o forte de Arturo Bandini.

Na verdade, Bandini é atormentado pelo fantasma do que ele quer ser, que contrasta com o homem que ele é. Quer ser um escritor rico e famoso, mas tudo o que tem são algumas poucas roupas velhas, uma máquina de escrever e um único conto publicado em uma revista. Ninguém o conhece, ninguém à sua volta se interessa por sua carreira literária. Bandini quer amar muitas mulheres, mas tem medo delas. Tem medo de Camilla, tem medo de Vera Rivken (uma misteriosa mulher com quem tem um “caso”), e até de uma prostituta que lhe oferece seus serviços.

Arturo resolve escrever uma carta ao editor da revista que publicara “O cachorrinho riu”, contando seus problemas e suas angústias. Para sua sorte, o editor publica sua carta, retirando apenas a saudação e o final dela, como se fosse um conto.

“Caro sr. Bandini: Com seu consentimento vou tirar a saudação e o final de sua longa carta e publicá-la como um conto em minha revista. Parece-me que o senhor fez um belo trabalho aqui. Acho que ‘As colinas distantes perdidas’ daria um excelente título. Meu cheque está em anexo. Sinceramente, J.C. Hackmuth”.

Depois disso é que ele conhece Vera. E ela desaparece da vida de Bandini da mesma forma que apareceu, muito rapidamente. Mas ela é a responsável pela sua grande virada como escritor: Bandini escreve um romance sobre a vida de Vera Rivken. Que é aceito e publicado por Hackmuth. O leitor precisa ter cuidado ao chegar nessa parte do livro. Pois pode correr o risco de comemorar o contrato de Bandini como se estivesse comemorando um título de copa do mundo.

“O milagre aconteceu. Aconteceu assim: eu estava de pé à janela do meu quarto, observando um percevejo que rastejava ao longo do peitoril. Eram três e quinze de uma tarde de quinta-feira. Ouvi baterem à porta. Abri e lá estava ele, um estafeta dos telégrafos. Assinei o recibo, sentei-me na cama e pensei se o vinho finalmente acabara com o coração do Velho. O telegrama dizia: seu livro aceito enviando contrato hoje. Hackmuth. Era tudo. Deixei o papel flutuar até o tapete. Fiquei sentado ali. Então abaixei-me até o chão e comecei a beijar o telegrama. Rastejei para baixo da cama e simplesmente fiquei ali. Não precisava mais da luz do sol. Nem da terra, nem do céu. Simplesmente fiquei ali, feliz de morrer. Nada mais podia acontecer a mim. Minha vida havia terminado.”

Mas não, não havia terminado. “Arturo Bandini, o romancista. Com renda própria, feita escrevendo contos”, não se sentia completo. Camilla, a mulher que ele tanto desejava, amava outro homem. Um homem estranho, doente e que não a amava. Ou amava? Bandini tenta, a todo custo, trazer Camilla para perto de si. Mas não é fácil conquistar o amor de uma mulher. Ainda mais quando ela ama um outro homem.

Passei muito tempo querendo ler “Pergunte ao pó”. A vontade veio quando li um trecho do prefácio de Bukowski. Por uma série de motivos, não pude lê-lo na época. Foi até melhor assim. O romance é impressionante, em todos os sentidos. O jovem que eu era há 4 ou 5 anos talvez não estivesse preparado para ele. Mas agora sei e entendo porque “Pergunte ao pó” é um livro tão querido e tão importante, e continua influenciando e emocionando seus leitores até os dias de hoje.


Rafael Rodrigues

Wednesday, October 18, 2006

Pulsos

Não era afiada. Mas sua ponta fora o bastante para fazer sangue escorrer. Meus braços quase vermelhos ardiam nesse momento. Sempre gostei dessa coloração.

Minha cabeça latejava como se meus sentidos tivessem se duplicado. Achei que tinha perdido meu toque e minha humanidade. Mas meu sangue ainda estava lá.

Não foi um suicídio. Eu estava vivo até demais. Mas conforme fui passando cada etapa de minha vida, fui me prendendo em espinhos, perdendo minha humanidade.

Perdi primeiro a necessidade de atrair as pessoas. Depois se foi minha compaixão. E por fim achei que perdi o toque de minhas palavras. Não conseguia mas abrir diálogo com ninguém. Perdi minha arma sedutora. As pessoas paravam para conversar comigo e eu as despachava num piscar de olhos. Minhas palavras gaguejavam mesmo soando articuladas.

Quando lembrava de antigamente, sempre o via com luzes. Meu presente tinha perdido suas pontes. Eu visualizava só ilhas solitárias de pessoas. Me faltava as linhas que as ligavam.

Desesperado procurei qualquer forma que pudesse me mostrar que ainda havia vida em mim. E aprofundei em minhas carnes.

Sentindo meu corpo arder naquele dia, meu coração disparar, percebi que ainda havia uma essência em mim. Provei meu próprio sangue e percebi como odiava seu gosto.

Sentei me e comecei a escrever essas palavras, o papel se manchava com meu próprio veneno.

Thiago Augusto

7 de Setembro de 2005