Monday, August 07, 2006

Agridoce

Decerto eu poderia fingir muito bem aos outros. Embora possa sentir que minha tristeza já se expande além de meus conhecimentos físicos, começando a invadir o tom de minha voz, petrificando meu rosto bem devagar.

Mas como ator que sou, da vida, dos palcos e do espetáculo, é certo que poderia borrar-me com maquiagem, viciar meus olhos no espelho, até convencer a mim mesmo, ou a um eu fictício, de que tudo caminha da melhor maneira possível. E assim, andar pelos campos sorrindo, feliz, a bailar com os estranhos que passam. Beijando na testa cada um de meus amigos, de forma sensível e louca.

Eu poderia colocar minha melhor roupa, caminhar de uma forma majestosa, cantando a canção da estação. Dizendo a todos que a falta foi sentida, que o mundo gira cada vez mais redondinho e melhor.

Tudo isso, minha encenação em vida, meu espetáculo circense a cada segundo, poderia ser aceitavelmente plausível se eu fosse outra pessoa. Mas como sou agora, como sempre fui, tolo e outros adjetivos, é quase impossível fingir-me feliz quando por dentro nem sinto o coração pulsar. E quando sinto, ele pulsa de um asco violento, querendo explodir-se em cacos, cansado, mas forte.

Nessas horas, enquanto dói-me o peito, o cérebro se foca. Pensa na existência, tanto de si próprio quanto dos homens. Sou apenas pouco, sei disso, mas não compreendo por que me vejo tão diferente daquilo que são, humanos. Por que minhas preferências são diferentes, meus caminhos, se não profundos, ao menos não contêm minha razão, e sim meu amor. Nessa hora que me sinto como uma relíquia, ao saber que os poucos amigos que estão comigo, compartilham da mesma irmandade, eu vejo os rostos de cada um em minha mente. Pensando que daqui a algum tempo, levaremos com nossa extinção algo que já não existe em grandes porções sob a terra.

Sou todo amor e sentimento. Desses que fazem um acordo com as palavras, só para brincar com elas no jardim. Semeando-as pouco a pouco em minhas idéias, meus amores, meus sentimentos extintos. Uma vez, lembro-me, escrevi que sou uma equação matemática, tirando de mim meus amores e minhas palavras, nada sobra. Sou feito de uma força inconstante, pura, que não bebe da fonte da razão, pois ela me desconcerta a cada instante.

E já ando por demais desconcertado, bêbado de meus amores que não me amam, e dos meus sentimentos que se atropelam, e sempre conseguem se machucar ainda mais quando resolvem caminhar pelo mundo.

Ando pouco pelas avenidas. Afirmo que em tempos passados era meu despertar favorito. Caminhar, mãos nos bolsos, observando as pessoas em seu dia a dia. Vendo a poesia que morre por não prestarem atenção. Já hoje...

Hoje o mundo me acua. Me deixando de lado, batendo-me com unhas e dentes. Caminho alguns quarteirões sujos e volto para casa para vomitar. Os valores que vejo lá fora já arrepiam minha espinha, me fazem contorcer de dor por eu ser assim, humano. Demasiado humano.

Deus é um homem sábio, podem confiar. Há quem diga que um dia ele virá, dizimando toda nossa podridão. Porém, ele sabe que de apoio externo não precisamos, somos nossa própria destruição. Nosso gérmen podre fora plantado há muito tempo. Mas o vírus é lento. Estamos apodrecendo aos poucos, comendo a carne um do outro, chafurdando na lama. Louvando as fezes no meio do lodo.

E eu, sintam pena; quando nasci me tornei amante da humanidade. Da humanidade e das bestas, que riem de forma jocosa, uma gargalhada docemente amarga. Que sinto ecoar nos meus ouvidos, enquanto uivamos para a lua, nos banhando no lixo.

Minha existência me comove, sempre, a cada instante. A humanidade me fascina, me machuca, por não sermos mais humanos. Meu sangue ainda escorre quando me corto, prova que ainda meu corpo responde a vida. Minha alma, já não sei. Talvez bem lá no fundo ela ainda seja fiel a si mesma. Devo mergulhar dentro de mim e resgatá-la? Ou deixá-la morta para sempre?

Cabe aos senhores um aviso. Caso me vejam na rua, quebrando janelas, lambendo virgens como um animal, arrancando o coração dos homens com minhas próprias mãos, peço que acabem com minha vida ali mesmo. Lá, dentro daquele homem, só haverá um olhar fixo, impuro, lúcido, de um monstro. E aqui, nesse espetáculo, já possuímos muitas anomalias.

Eles mataram aquilo que sou; no final, já estou morto. Crucificado em praça pública. Ainda vivo, pedindo ajuda, enquanto os porcos riem de meu corpo machucado e dos meus pés quebrados. Enquanto eu olho para o céu à toa, vendo o sol comer minhas retinas.


Thiago Augusto
(06-08-06)

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